A anistia ao caixa dois é a “loura do banheiro” do debate político
Não faz o menor sentido falar nesse assunto; num caso, há a questão constitucional; no outro, uma impossibilidade prática
A anistia ao caixa dois virou a “loura do banheiro” da política brasileira. Os da minha idade e um pouco mais jovens se lembram: “Cuidado, não vá sozinho ao banheiro da escola! Há uma loura que aparece lá para raptar crianças”. E não eram poucos os que conheciam pessoas que já tinham visto a dita-cuja. Você nunca conseguia encontrar uma fonte primária: “Eu vi, falei com ela…”. Não! Era sempre o primo de um amigo seu que havia passado pela experiência.
Vamos ver. A comissão especial das tais 10 medidas contra a corrupção, que podem ser 17, pode votar o texto hoje. Se ficar como está no relatório de Onyx Lorenzoni, criminaliza-se o caixa dois, com penas de dois a cinco anos para recursos lícitos e de cinco a 10 para recursos ilícitos.
E quem cometeu caixa dois até agora? Bem, não poderá ser enquadrado nesse tipo penal, já que a Constituição, no Inciso LIX do Artigo 5º, uma cláusula pétrea, impede que lei penal retroaja para punir, só para beneficiar.
Logo, esteja essa impossibilidade de retroação explicitada ou não no texto do Lorenzoni, o efeito é nenhum, uma vez que a Constituição elimina qualquer debate a respeito.
“Reinaldo, mas a lei não poderia deixar claro que todos terão de pagar pelo caixa dois, não importa quando foi praticado no passado?” Não! Seria inconstitucional.
A outra possibilidade exótica é tentar meter na lei uma proibição: qualquer um que tenha praticado caixa dois não poderá ser acusado de outro crime, como corrupção passiva, corrupção ativa, peculato ou lavagem de ativos…
O efeito seria inócuo. Perguntem a qualquer procurador da Lava Jato se ele deixará de acusar um político por corrupção se souber que o dinheiro que alimentou a campanha foi fruto de propina… Pouco importa o contrabando que se coloque na nova lei, ainda que na forma de destaque, o resultado é nulo.
Sabem por quê? Porque isso acabará nas mãos dos juízes, a exemplo do que aconteceu no mensalão. O Ministério Público dirá: “É corrupção, é peculato, é lavagem…”. E a defesa insistirá: “É caixa dois, e a lei que criminaliza o caixa dois é de 2016…”. O magistrado vai decidir.
Mas isso é que já se faz hoje.
Como já disse aqui, esse é o caso mais acabado que conheço de “pós-verdade”, esse termo que foi considerado a palavra do ano pelo departamento de Dicionários da Universidade de Oxford.
O irritante é que o Ministério Público, em especial Rodrigo Janot, sabe que estou certo. Mas insiste nessa história, o que só contribui para aumentar o descrédito da classe política. Acreditem: isso nunca é bom para a democracia.
O bom para a democracia é que os picaretas sejam identificados e expulsos da política.