Luiz Inácio Sinatra Lula da Silva – Estava tudo escrito em 1994
Como a escolha do líder maior do PT pela aliança com as elites marca os 40 anos do PT

Em 1994, VEJA publicou uma reportagem de oito páginas sobre a caravana do então candidato petista ao Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva. O partido, que acaba de completar 40 anos, era então um pré-adolescente aprendendo valores e formando princípios a partir da confiança cega no seu líder maior.
A reportagem, uma aula de jornalismo produzida pelo mestre Elio Gaspari, começava com a cena de desencantamento do presidente do PT em Uruguaiana, Rogério de Moraes, talvez o primeiro petista a se deparar com a natureza do que Lula viria a ser no poder.
“Rogério de Moraes, 32 anos, auxiliar de enfermagem, fundador e presidente do Partido dos Trabalhadores de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, é um petista de mostruário. Cabelo até os ombros, jeans, pasta e uma prisão na memória. Chegara o seu grande dia. A quadra do ginásio municipal, próxima ao obelisco que lembra a rendição do general paraguaio Estigarríbia a dom Pedro II, estava enfeitada com bandeiras vermelhas, e a Caravana da Cidadania, com Luiz Inácio Lula da Silva a bordo, acabara de estacionar. Mal terminara o Lula-lá, Ronaldo Zulke, presidente do PT gaúcho, perguntou-lhe: ‘Onde estão os arrozeiros?’”

Naqueles tempos, os arrozeiros encarnavam a figura da elite que oprimia o proletariado. O jovem presidente do PT não era contra a conversa de Lula com os adversários, mas defendia que Lula tratasse os barões do arroz “em pé de igualdade” com a militância.
Os arrozeiros, porém, queriam uma conversa “exclusiva”, longe do evento da militância, no salão da prefeitura. E assim foi feito. Lula deixou de lado a militância no ginásio para ouvir a agenda da elite — e prometeu a eles exatamente o que “eles” queriam ouvir. “Perdemos. O partido quer falar com eles. Os arrozeiros tripudiaram sobre os setores populares”, lamentou-se o revolucionário Rogério.
Vista do alto dos 40 anos de estrada de Lula e seu partido, a desilusão do presidente petista de Uruguaiana em 1994 soa premonitória. Ao vestir a faixa presidencial, Lula trocaria os arrozeiros pelos empreiteiros, chamaria os empresários do ramo automotivo, do setor elétrico, da educação, dos frigoríficos… Lula abriu os cofres do governo à elite enquanto desfrutava com eles no salão da prefeitura, no caso o Planalto, enquanto abastecia os cofres do PT com milionárias remessas.
Lula já era dos arrozeiros em 1994, mas passaria quase toda a década seguinte inspirando o sonho militante de ruptura com as elites, os privilégios, os picaretas e os partidos burgueses do Congresso. Em defesa do petista, diga-se que ele nunca se empenhou no teatro.

Estava tudo lá na reportagem de Gaspari: “Na semana passada, enquanto sua caravana atravessava 28 municípios do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, o PT parecia rachado ao meio. De um lado, Lula-72, encarnado pela bancada da esquerda da Comissão Executiva, de outro, Lula-94, mais moderado, buscando alianças e desfazendo temores. Trata-se de uma briga apaixonada porém irrelevante. Algo como uma eventual rebelião da equipe técnica que acompanha Frank Sinatra, inconformada com a escolha de um novo repertório. A equipe é capaz de tudo, menos de cantar”.
Em 2007, Lula Sinatra analisaria a parcialidade de sua cantoria. “Eu não tenho vergonha e muito menos tenho razão para não dizer que eu mudo de posição e há muito tempo eu digo que prefiro ser considerado uma metamorfose ambulante, ou seja, mudando à medida que as coisas mudam”, discursou triunfante o petista, reeleito após o mensalão. A frase poderia soar uma resposta ao inconformado presidente do PT de 1994.
Nos anos seguintes, Lula, sonhando em retornar ao Planalto em 2014, gestaria a criatura que acabaria com sua música. Dilma Rousseff, a gerentona da crise econômica acabaria negando a vez ao petista, seria reeleita, mas produziria o descalabro administrativo que geraria Jair Bolsonaro.
Já acossado pelas consequências da opção pelos “arrozeiros”, o líder maior do petismo, alvo da Lava-Jato, viraria a “alma mais honesta” do país, a jararaca a ser abatida a pauladas. Um condenado por corrupção, preso de luxo no mesmo Sul da caravana de 1994, corrupto moldado na trilha do tríplex do Guarujá, do sítio de Atibaia e das contas de propina da Odebrecht, da OAS.
Quarenta anos depois, muita coisa mudou no PT e quase nada mudou no PT. Apeado do poder, segue refém de Luís Sinatra e sua melodia.
Relembre aqui a edição de 2 de março de 1994.