Entidades mobilizam partidos contra violência de gênero e raça na eleição
Carta assinada por 1.500 pessoas apresenta uma série de reivindicações a diferentes siglas que irão disputar o pleito de outubro
Um conjunto de entidades sociais enviou uma carta, nesta segunda-feira, 5, a diferentes partidos políticos brasileiros com reivindicações para o enfrentamento à violência política de gênero e raça nas eleições de 2024. O movimento é liderado pelo Instituto Marielle Franco.
“O envio da carta aos partidos é uma ação que faz parte da campanha ‘Não Seremos Interrompidas’ realizada pelo Instituto Marielle Franco em parceria com diversas organizações da sociedade civil que tem como objetivo cobrar dos partidos políticos compromissos e parâmetros para implementação das resoluções do TSE e da Lei de Violência Política sobre mecanismos de prevenção, proteção e acolhimento de denúncias de violência política”, diz Lígia Batista, diretora-executiva do Instituto Marielle Franco.
Na avaliação das entidades, a maioria dos partidos políticos continua negligenciando a necessidade de criação de políticas internas de proteção e segurança efetivas para mulheres negras candidatas e parlamentares, e descumprindo a lei de violência política.
As entidades dizem que a prevenção e combate à violência política de gênero e raça são fundamentais “para ampliar a participação de mulheres negras nos espaços de poder”.
O documento é assinado por 1.500 pessoas e apresenta oito recomendações aos partidos. “Crescem os números de denúncia de casos de violência política, e as mulheres negras seguem sub-representadas na política institucional: de acordo com dados das eleições de 2020, elas contabilizam apenas 6,3% nas câmaras legislativas e 5% nas prefeituras”, registra o texto.
A carta foi escrita pelo Instituto Marielle Franco, movimento Mulheres Negras Decidem, Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, Eu voto em negra, Justiça Global, Terra de Direitos, Observatório de Favelas, Coalizão Negra por Direitos, Instituto Alziras e Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas.
Veja as demandas apresentadas aos partidos:
“1. Garantir um apoio financeiro adequado às pré-candidatas e candidatas vítimas de violência política, especialmente mulheres negras, trans, travestis e defensoras de direitos humanos, reconhecendo a desigualdade no acesso a redes de apoio e capacidade financeira para lidar com os impactos da violência política.
2. Distribuir de forma adequada o financiamento de campanhas como medida preventiva a episódios de VPGR e fornecer apoio financeiro para adoção de medidas de proteção e segurança.
3. Cumprir integralmente as seguintes recomendações do TSE:
a. Resolução nº 23.730/2024 (fundo eleitoral)
i. Sobre a gestão do fundo altera a Resolução 23.605/2019 – Após o
recebimento dos recursos financeiros do FEFC, o diretório nacional
do partido político deverá providenciar imediatamente a divulgação,
em sua página de internet, do valor total do FEFC e os critérios de
distribuição desses recursos aos seus candidatos.
b. Resolução nº 23.731/2024 (prestação de contas)
i. Sobre arrecadação e gastos dos recursos altera a Resolução
23.607/2019 – § 5º-A: A regularidade da aplicação mínima dos
percentuais será apurada na prestação de contas do diretório
nacional do partido político, que deverá abrir contas bancárias
específicas para comprovar a regularidade da destinação dos
recursos. Os recursos correspondentes aos percentuais previstos
devem ser distribuídos pelos partidos até 30 de agosto no ano das
eleições.
c. Resolução nº 23.729/2024 (registro de candidatura)
i. altera a Resolução 23.609/2019, que dispõe sobre a escolha e o
registro de candidatas e candidatos para as eleições. § 3º-A O partido
ou a federação que disputar eleição proporcional deverá apresentar
lista com ao menos uma candidatura feminina e uma masculina
para cumprimento da obrigação legal do percentual mínimo de
candidatura por gênero. Art. 20. (…) § 5º A conclusão, nas ações
referidas no § 1º, pela utilização de candidaturas femininas
fictícias, acarretará a anulação de todo o DRAP e a cassação de
diplomas ou mandatos de todas as candidatas e de todos os
candidatos a ele vinculados, independentemente de prova de sua
participação, ciência ou anuência, com a consequente retotalização
dos resultados e, se a anulação atingir mais de 50% (cinquenta por
cento) dos votos da eleição proporcional, a convocação de novas
eleições. (Incluído pela Resolução nº 23.675/2021).
d. Resolução nº 23.732/2024 (propaganda eleitoral)
i. Altera a Resolução 23.610/2019. A regra continua sendo que
mulheres devem receber parcela do tempo de TV na proporção
equivalente à quantidade de candidatas, assegurado o mínimo de
30%, aferido na circunscrição. A lei não determina que o tempo seja
distribuído igualmente entre todos os candidatos. Os partidos podem
avaliar que é importante concentrar o tempo em um candidato, para
aumentar suas chances. Não há garantia legal de distribuição de
recursos em parcelas iguais (nem mesmo de parcela mínima), no que
se refere aos recursos públicos. A lei define, corretamente, que um
percentual mínimo de recursos públicos seja destinado às mulheres –
mas não como estes recursos devem ser distribuídos entre as
candidatas.
ii. Distribuição do tempo na programação – Os percentuais destinados a
candidatos e candidatas deverão ser observados tanto globalmente,
no conjunto do tempo, quanto separando o tempo no rádio e na
televisão e, em cada um desses meios, nos blocos e nas inserções. A
aferição do disposto no § 4º deste artigo será feita no período total de
campanha e em cada ciclo semanal da propaganda.
iii. Penalidades – Comprovado o não atingimento dos percentuais
destinados às candidaturas de mulheres e de pessoas negras em um
ciclo semanal de propaganda eleitoral gratuita, o tempo faltante
deverá ser compensado nas semanas seguintes, pelo período
necessário para assegurar o cumprimento da proporcionalidade até o
fim da campanha. As candidatas e os candidatos prejudicadas(os)
pelo descumprimento dessas regras poderão requerer judicialmente a
compensação do tempo de propaganda a que têm direito. não há
previsão legal para o descumprimento em si da regra.
iv. Fiscalização – deve ficar a cargo dos partidos, candidatos e da própria
sociedade civil essa fiscalização.
e. Resolução nº 23.734/2024 (sistemas eleitorais, totalização dos votos,
proclamação dos resultados e diplomação)
i. altera a Resolução 23.677/2019, que dispõe sobre sistema eleitoral
(distribuição das cadeiras), retotalização e as ações decorrentes do
processo eleitoral nas eleições gerais e municipais.
ii. Caso ocorra a terceira fase (“sobra das sobras”), não se exige nem a
votação nominal mínima dos candidatos (20% do QE), nem tampouco
votação (80% do QE) mínima dos partidos (votos nominais e de
legenda). Dessa forma, os partidos que na segunda fase (“sobras”)
tinham sido impedidos de participar, voltarão a disputar cadeiras na
terceira fase.
f. Resolução nº 23.735/2024 (ilícitos eleitorais)
i. Nova espécie de resolução – O Tribunal definiu elementos para
caracterizar a fraude à cota de gênero, buscando positivar parâmetros
para julgamentos destes casos. São suficientes para a
caracterização da fraude a obtenção de votação zerada ou irrisória de
candidatas, a prestação de contas com idêntica movimentação
financeira e a ausência de atos efetivos de campanha em benefício
próprio.
ii. são necessários os três elementos citados para que a caracterização
reste estabelecida, mas pode ser interpretado de outra forma, como
se bastasse um dos elementos para que se configurasse o ilícito.
iii. penalidades – acarreta a cassação do diploma de todas as candidatas
eleitas e de todos os candidatos eleitos, a invalidação da lista de
candidaturas do partido ou da federação que dela tenha se valido e a
anulação dos votos nominais e de legenda (§ 5º), o que pode
acarretar inclusive a anulação da eleição, nos casos em que a lista
invalidada tenha 50% ou mais dos votos
iv. A negligência do partido nos atos necessários ao registro de
candidatas, ou da substituição de candidatas indeferidas, também
configura o ilícito.
4. Cumprir integralmente a Recomendação PGE nº 1, de 14 dezembro de 2023, da Procuradoria-Geral Eleitoral: recomendação aos partidos políticos, em relação às Eleições Municipais de 2024, sobre distribuição de recursos do FEFC e distribuição do tempo de propaganda.
5. Adequar o estatuto partidário ao disposto na Lei 14.192/2021, definindo mecanismos para prevenção e enfrentamento a violência política no interior do partido, com especial atenção a violência política de gênero e raça cometida contra mulheres
negras e LBTQIA+.
6. Realizar formação interna permanente e campanhas sobre Violência Política de Gênero e Raça, como medida preventiva e de enfrentamento, reiterando o compromisso inabalável com a pauta e considerando as dimensões do racismo e transfobia nesse ínterim;
7. Adotar medidas para prevenir represálias internas contra aquelas mulheres que apresentarem queixas de assédio ou violência política cometida por integrantes do partido.
8. Ofertar apoio jurídico, bem como apoio político necessário em casos de violência política.”