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Artistas se desorganizaram politicamente porque estão tentando sobreviver

Nesta entrevista ao Radar Econômico, Lucio Mauro Filho conta a crise da classe artística e o papel das empresas no movimento cultural

Por Josette Goulart 25 dez 2021, 13h33

Quando o ator Lucio Mauro Filho concedeu esta entrevista ao Radar Econômico, as manifestações autoritárias do presidente Jair Bolsonaro no dia 7 de Setembro ainda estavam por acontecer. Mas já naquele mês, e mesmo depois, a classe artística estava e continua parecendo desarticulada no embate político e na defesa da cultura. Nesta entrevista, Lucio Mauro Filho, que é ator, comediante, roteirista, e apresentador no programa de Marcos Mion na Rede Globo, faz um interessante diagnóstico do que aconteceu com a classe artística que foi desmontada, segundo ele, desde o governo de Michel Temer, quando o ministério da Cultura foi extinto. Aí vieram os ataques à lei Rouanet no governo Bolsonaro e, na sequência, a pandemia, que de uma hora para outra deixou milhares de artistas sem salário nenhum. Lucio também fala do papel das empresas no apoio à cultura e como é vender sua imagem para fazer comercial de uma empresa. Veja os principais trechos a seguir: 

Como você vê o presidente Bolsonaro? Você não se posiciona muito nas suas redes. Eu boto um Fora Bolsonaro aqui, outro ali. No fenômeno Bolsonaro acontece o seguinte: ele não enganou ninguém, essa é a questão. Então eu simplesmente ficar na minha rede social falando de um político… eu teria vontade de falar se por um acaso fosse alguém que estivesse enganando as pessoas. Mas o Bolsonaro não enganou. As pessoas se deixaram enganar. Olha o currículo do Bolsonaro. Olha a história como militar. Olha a história como parlamentar. Olha a história como empresário. Ele também é empresário. Informal, mas é.  Em que lugar o Bolsonaro venceu? Em que lugar o Bolsonaro foi exemplo? Em que lugar o Bolsonaro deixou um legado? Em nenhum desses lugares. Então você escolhe um presidente da República com uma cultura baixíssima? Quais são os predicados do Bolsonaro? Ah, ele fala o que pensa. Tudo bem. Mas ser presidente não é isso. Em lugar nenhum do mundo. Só em lugares onde os presidentes são folclóricos ou extremamente autoritários. Então eu ficar falando mal do Bolsonaro? Para minha bolha? Porque a essa altura do campeonato só defende o Bolsonaro quem concorda com alguma ideia dele. Então as pessoas que ainda defendem Bolsonaro, defendem porque querem e só vão mudar de opinião se rolar uma bala de prata. Um negócio irrefutável.

O embate com a cultura é visível. Qual é o tamanho do estrago, ou não teve estrago, na cultura? Mas daí é anterior ao governo atual. A gente não pode esquecer o Temer. Não podemos esquecer que foi no governo Temer que se extinguiu o ministério da cultura. É um projeto que é muito útil para qualquer escalada autoritária, ou fascista, que você faça essa guerra cultural. Como a classe artística é uma coisa muito ampla no Brasil, e mal organizada, então ela demorou a reagir a essas mentiras de lei Rouanet. O artista sempre foi um porta-voz da cidadania. Então era importante diminuir a importância dos artistas. Transformar o artista num corrupto. Eles foram muito felizes quando pegaram essa coisa da lei Rouanet, em diminuir a importância do artista e transformá-lo num corrupto. Os artistas não tiveram capacidade e força para lutar contra isso. Aconteceu essa coisa de todo mundo cair nessa esparrela de que todo artista é comunista, todo artista é da globo. Imagina, a Globo despachou uma caralhada de gente que putz (risos), que é chamado de global sem ser global, que tá lutando muito para colocar um prato de comida pra família comer. E qualquer coisa que essa pessoa disser é comunista, é globolixo, a teta acabou, a mamata acabou. Essa mentirada do dinheiro público. De artistas ganharem dinheiro público. Isso nunca existiu. A própria lei Rouanet é uma ferramenta que está ligada às empresas. É um incentivo trocado por uma isenção.

Mas a classe artística não parece unida e com voz ativa para, no mínimo, protestar. O que aconteceu é o seguinte. Para os artistas, começou antes do Bolsonaro, com Bolsonaro piorou e quando veio a pandemia aí desarticulou completamente. Como a maioria dos artistas vive informalmente, nunca tiveram um contrato. A maioria esmagadora dos artistas. Então a pandemia foi cruel com artistas no mundo inteiro. Imagina no Brasil que o mercado é totalmente informal? Eu conheço técnicos de teatro, por exemplo, que têm um currículo poderoso e que faziam 8, 10 mil reais por mês. Mas nunca foram contratados na vida. E em dois meses, eles foram dos 8, 10 mil ao zero, sem nenhuma ajuda do estado. Então você imagina a desarticulação que foi na vida desses profissionais. Eu, por exemplo, passei a doar de 10% a 20% do meu salário para artistas que cuidam da parte técnica. Está difícil de artistas se organizarem politicamente porque os artistas tiveram que se organizar na questão humanista mesmo, para ajudar uma ao outro. Esse governo já deixou claro que a verdadeira cultura brasileira não interessa a esse governo. Ele quer mudar a visão das pessoas para uma cultura  baseada na religião, na branquitude, na coisa de gênero, é papai e mamãe.

E para a eleição do ano que vem? Você vê chance de reeleição? Ah, eu não tiro do radar. Da mesma maneira que eu tinha muita certeza que ia para segundo turno e com forte chance de ganhar (em 2018). Eu falava nos grupos de amigos e eles diziam:calma, não é isso assim não. Mas o brasileiro também tem essa mania de deixar a preocupação para cima da hora. Quando o pessoal acordou nas últimas eleições, as redes sociais já estavam bombando para um lado e para outro estavam raquíticas.

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Saindo um pouco da política. Você contou em uma entrevista que quando sua esposa, há muitos anos, passou a ser sua agente, ela perguntou para quem você não faria propaganda de jeito nenhum. E você falou que para empréstimos a idosos e cigarro. Quais são as indústrias que hoje você não faria propaganda? (ele para e pensa um pouco)…. Não vou ser leviano de dizer porque não se sabe o dia de amanhã. Nunca passei aperto. Enquanto eu puder, vou tentar evitar coisas em que eu não acredito. Como ser coerente nesse mundo tão louco? Tem uma coisa da intuição. Eu cheguei aonde cheguei tendo intuição como um dos pesos. Acredito muito em energia. Então quero conhecer a marca, quero conhecer o CEO, o diretor do RH, não sou aquele artista que só quer aparecer no dia da gravação ou da foto.

Que perguntas você faz para a empresa? Eu gosto de saber o engajamento social, se é verdadeiro. Se é empresa que devolve para o Brasil, principalmente quando é multinacional, que relação tem com o Brasil, com funcionários, questão ambiental. Ambiental tem grande peso. Como é assunto da minha vida, já tenho simpatia por aquele projeto. E claro, às vezes vou errar e vou me associar com uma marca que depois você pensa “ah, meu Deus”. E eu sofro.

Muito recentemente teve as empresas que foram pegas na questão da corrupção. Aí é de matar. Já vi colegas sofrerem muito por terem um nome associado a um produto e depois vai lá… Imagina para o Ayrton Senna, quando o banco faliu e ele era o garoto propaganda com boné e tudo. É uma questão da qual nunca estaremos imunes. Mas é bom se prevenir. Sou mais precavido do que um idealista. É bom saber onde está botando a cara e emprestando a credibilidade, a  simpatia que o artista tem com o público.

Você faz duras críticas às redes sociais e em como elas engajam pelo ódio. Você faria publicidade para as redes sociais? (Silêncio) Pergunta boa. Eu acho que eu faria. Se fosse rede social que tivesse preocupação com esses assuntos que me são caros. Mas é difícil, viu? (Limpou a testa e riu).

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As empresas podem mudar a cultura de um país e blindar os artistas dos governos? Eu acho fundamental. Se as empresas ficam dissociadas dessa história, o que acontece é o seguinte… os políticos já tem o canal deles com as empresas, o setor cultura. também tem que ter. Se não, o jogo fica desigual.

Mas se depender da lei Rouanet… Tem que ser independente da lei Rouanet. Durante muitos anos tivemos a lei de mecenato em que o patrocínio era direto. A lei Rouanet veio com uma função muito específica e foi deturpada. Um país desse tamanho, e com a riqueza do Brasil, é impossível ter só uma lei de incentivo e funcionar para todo esquema cultural. Tem que ter vários dispositivos diferentes. Quando se colocou tudo num dispositivo só, não só foi criando um gargalo, mas acima de tudo criou a facilidade de um governo que quer destruir a cultura de atingir um lugar só, em vez de vários. Foi muito fácil desarticular a classe artística. Só tinha o mecanismo da lei Rounaet, que viciou o mercado como um todo. E aí na hora que quiseram destruir ou transformá-la numa fake news só precisavam atingir um único alvo. A maldade fica mais fácil quando só precisa atingir uma coisa só.

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