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Por Felipe Branco Cruz
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“Tocar violão era coisa de comunista”, diz Lô Borges sobre os anos 70

Em entrevista a VEJA, cantor e compositor mineiro relembrou os 50 anos do lançamento de 'Clube da Esquina' e saudou a descoberta de sua música pelos jovens

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 26 jul 2022, 15h09 - Publicado em 26 jul 2022, 10h12

Em 2022, Lô Borges, de 76 anos, só teve motivos para comemorar. Nos dois anos em que ficou confinado devido à pandemia, ele compôs freneticamente. Do material resultante, já lançou quatro discos de inéditas e tem outros dois no prelo para serem lançados em breve. O mais recente, Chama Viva, tem participações de Milton Nascimento, Beto Guedes, Patrícia Maês e Paulinho Moska. Mas o ano guardou ainda outros momentos gratificantes, como os aniversários de 50 anos do álbum Clube da Esquina e de seu primeiro disco solo homônimo, aquele da capa do tênis. Recentemente, Clube da Esquina, gravado em parceria com Milton Nascimento, foi eleito por um grupo de críticos, jornalistas e músicos como o melhor álbum brasileiro de todos os tempos. Em recente conversa a VEJA, Lô Borges relembrou das gravações do disco e disse que gostaria de fazer parceria com o rapper mineiro Djonga. “Se me perguntarem o que estarei fazendo daqui a dez anos, eu responderia que estarei compondo e falando dos 60 anos do Clube da Esquina“, brincou. 

Quais recordações guarda do período em que gravou Clube da Esquina? Foi uma conjunção de pessoas inspiradas e talentosas, com letristas, músicos, arranjadores e técnicos, todos trabalhando juntos. Para mim, foi mágico. Milton é meu irmão desde 1962, quando eu tinha 10 anos de idade. Meu pai e minha mãe o consideravam como um filho. Nosso entrosamento é muito grande. Na época da composição do álbum, nós morávamos juntos no Rio de Janeiro. Ele compunha no quarto dele e eu no meu. Eu jamais sonhei que lançaria um álbum aos 19 anos de idade e que ele se tornaria histórico. Milton apostou em mim. Ele me bancou. A gravadora não queria fazer um álbum duplo, ainda mais com um desconhecido chamado Lô Borges. Daí eles ouviram as oito músicas que eu escrevi, como Girassol da Cor do Seu Cabelo, Trem Azul, Nuvem Cigana e falaram: o Milton tem uma certa razão, o menino leva jeito. Nossa música, mesmo tendo matizes diferentes, dialogava. Milton era o jazz, a bossa nova, a africanidade, a latinidade. Eu era o adolescente que amava os Beatles e os Rolling Stones. Eu já tinha escrito Para Lennon e McCartney um ano antes e foi um grande sucesso na voz de Milton.

Clube da Esquina foi o primeiro álbum duplo de estúdio brasileiro. Durante a gravação, vocês tinham noção do tamanho que o trabalho teria no futuro? O Clube da Esquina tem um frescor até hoje. Dez anos atrás, celebramos os 40 anos do lançamento do disco e me perguntaram: “Você consegue imaginar o que vai estar fazendo daqui a dez anos?” Eu respondi: “Vou estar compondo e falando dos 50 anos do Clube da Esquina”. E aqui estou eu, compondo e falando dos 50 anos do lançamento. Se em dez anos me perguntarem de novo, vou responder a mesma coisa. Eu não tinha nenhuma noção de que estava fazendo história. Só queria fazer uma coisa bonita e que o Milton ficasse feliz comigo. Eu só queria agradar o Milton e fazer bonito para ele. Eu jamais quis ser o próximo sucesso do verão. A gente só queria fazer arte. Na época, a crítica não foi muito boa, mas fizemos um disco que não tem prazo de validade. Eu acho que ele é eterno.

Recentemente, Clube da Esquina foi escolhido como o melhor álbum brasileiro de todos os tempos. Ou seja: a percepção da crítica mudou de lá para cá. Ficou lisonjeado com a escolha?  Esse negócio de competição de melhor álbum fica parecendo uma corrida de Fórmula 1. Fica parecendo uma competição. Eu não consigo enxergar o Lô Borges como um campeão brasileiro de música. Não me considero nada disso. Por exemplo, um dos discos de que eu mais gosto é Meus Caros Amigos (1976), do Chico Buarque. Gosto também de Expresso 2222 (1972), de Gilberto Gil, que é uma aula de composição e de como tocar violão. É um violão difícil pra caramba. Ainda temos o Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga, João Gilberto, Tom Jobim, Cartola. É por isso que eu não consigo ver a música como essa coisa de primeiro, segundo ou terceiro lugar. Eu jamais vou tirar o mérito do Clube da Esquina. Me lisonjeia muito. Mas não vejo a música como um pódio. Achei muito louco o disco ser o mais importante de todos os tempos. Eu gosto muito desse disco e fiquei  feliz de ter feito com o Milton, mas eu poderia citar dezenas e até centenas de álbuns brasileiros que poderiam ser considerados como os melhores de todos os tempos. O Bituca (apelido de Milton) já disse que este é o álbum de cabeceira dele. Também é o meu.

Na época da gravação, o Brasil vivia sob a ditadura militar. Como foi para um garoto de 18 anos se mudar de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro para trabalhar com música? Os jovens estavam indo para a militância política enquanto eu estava compondo música que falava sobre trem azul e ouvindo Beatles. Eu tive de pedir autorização para minha mãe para me mudar para o Rio de Janeiro e gravar o disco. Mas ela não deixou! Ela tinha medo da ditadura militar. Muitas pessoas estavam sendo presas e desaparecendo. Ela dizia que se juntasse três ou quatro pessoas para tocar música, poderia ser considerado aparelho subversivo. Eu insisti em me mudar e disse que seria uma oportunidade única trabalhar com o Bituca. Meu pai foi bem mais liberal. Ele sabia que era uma grande oportunidade. Meu sonho era ser só um compositor e ficar tocando violão na esquina. Eu nem lembro para o que eu queria prestar vestibular. Eu estava na idade de me alistar e foi traumático no Exército. O pessoal chegou a raspar minha cabeça, mas o capitão me escorraçou. Ele disse que músicos eram todos comunistas e que tocar violão era coisa de comunista. Eu até preenchia os requisitos para servir o Exército, mas ele me levou para uma salinha e disse que não queria artista comunista e me dispensou.

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O senhor é um compositor compulsivo. Como foi ficar preso em casa com seu violão na pandemia? Em dois anos, eu lancei quatro discos. O novo é intitulado Chama Viva e tem participações de Milton Nascimento, Beto Guedes, Patrícia Maês e Paulinho Moska. Essa coisa de isolamento social me deixou assim. Não vou ficar em casa triste. Vou ficar fazendo música e feliz da vida. Fiz umas quarenta composições em dois anos e tenho outros dois álbuns prontos para lançar. Na barra mais pesada da Covid, eu só saí de casa para ir ao estúdio gravar. O que me motiva na vida e na música é aquilo que eu ainda não fiz. Fazer shows é uma das coisas mais gratificantes para um artista, mas viajar tira nossa energia. Essa coisa de aeroporto, avião, hotel, camarim, show, etc, me suga a energia de compor. Não sou mais um menino de 20 anos. Como tenho um monte de composições que fiz durante a pandemia, vou poder fazer turnê por um bom tempo sem me preocupar com novas músicas.

Aos 80 anos, Milton Nascimento anunciou a turnê de despedida dos palcos. O senhor vai participar de algum show? São 60 anos de estrada que o Milton encarou. Eu vejo com naturalidade a última turnê do Milton. Não vejo com nostalgia. Acho legítimo o cara falar: “Quero dar um tempo da estrada”. Ele tem 80 anos. Eu espero que ele seja muito feliz nesta turnê e parece que vai ser mesmo. Todo mundo está querendo assistir e os ingressos estão esgotados. Vai ser emocionante. Vai ser lindo. O Milton sempre me convida para as turnês dele. Eu tenho uma gratidão e um amor muito grande. Se ele me convidar para participar de algum show, eu vou. Se ele não me convidar, eu vou assistir da plateia.

Nos últimos anos, suas músicas foram redescobertas no exterior, inclusive pelo Alex Turner, do Artic Monkeys. Seu público rejuvenesceu? Eu venho sendo abastecido de novidades pelo meu filho, de 23 anos, que é rapper. Ele não está nem aí para a música do Lô Borges. Ele é fã do Djonga e até fez uma playlist para mim. O Djonga é aqui da Zona Leste de Belo Horizonte. Se um dia ele tiver tempo e convergir em alguma coisa nossa, vai ser um prazer gravar com ele. Eu o considero um cara brilhante no rap. Meu filho me abasteceu também com músicas de rappers americanos, belgas e franceses que fizeram samplers do Clube da Esquina. Quando o Alex Turner incluiu a música Aos Barões, do meu disco da capa do tênis, também lançado em 1972, houve essa busca internacional pela minha música. Foi o Samuel Rosa (vocalista do Skank) que falou para eu olhar para o Alex Turner e ouvir a música do Artic Monkeys também.

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