Reação exagerada contra Taylor Swift no Brasil expõe misoginia
Atacada nas redes sociais, cantora enfrenta escrutínio que seus colegas homens, acusados de violência doméstica e até pedofilia, passaram ilesos
Rosto de manchetes – sensacionalistas ou não – desde que chegou ao Brasil na semana passada, Taylor Swift virou assunto preferido nas redes sociais e nos noticiários. A princípio, porque sua turnê The Eras – prestes a se tornar a mais rentável da história da música com 2,2 bilhões de dólares em arrecadação – pousou no país, causando animação de uma multidão vasta de fãs enlouquecidos pela cantora americana de sucesso inquestionável. A euforia deu lugar à tristeza no primeiro show realizado no Rio de Janeiro, em 17 de novembro, quando a jovem Ana Clara Benevides, de 23 anos, morreu após passar horas na fila para ver Taylor de perto no Estádio Nilton Santos (Engenhão), um local com acesso à água precário em um dos dias mais quentes da história da capital fluminense.
Após a tragédia, a postura lamentável da cantora e da produtora do show no Brasil, a Time For Fun (T4F), foram duramente criticadas, já que ambas falharam em prestar o devido apoio à família da vítima — Taylor se resignou a uma publicação no Instagram e a entoar a canção Bigger Than the Whole Sky, que fala sobre a perda de alguém amado, no show seguinte, levando à associação de que seria um tributo discreto à Ana.
Os gestos não foram suficientes para acalmar uma parcela dos milhares de fãs – e críticos (leia-se haters) – brasileiros e uma onda de ódio foi direcionada diretamente à Taylor Swift, entre críticas válidas e ataques tão gratuitos que atestam como até mesmo a jovem poderosa não escapa da misoginia que acomete mulheres em reações desproporcionais. Há quem fale de boicote total à “americana insensível” que “não se importa com a vida de uma brasileira”, em discursos inflamados que culpabilizam totalmente a cantora pela fatalidade. Curiosamente, não houve movimento parecido contra cantores agressores de mulheres, como Chris Brown, que espancou Rihanna, sua então namorada, em 2009, ou Victor Chaves, sertanejo flagrado chutando a então esposa grávida por câmeras de segurança. Este último até retomou sua carreira neste ano como se nada tivesse acontecido, mas ambos seguem com legião de fãs. Também não se viu boicote parecido ao astro Michael Jackson, envolvido em diversas acusações de pedofilia.
Houve ainda um assustador movimento machista contra as fãs da cantora, supostamente responsáveis por causarem histeria nos shows — por causa disso, médicos presentes no Engenhão teriam dado calmantes às jovens que passaram mal, segundo relatos, eram remédios faixa-preta como Rivotril e Clonazepam. Ironicamente, homens que brigam em estádios durante jogos de futebol nunca recebem o mesmo tratamento e mortes também ocorrem em decorrências de conflitos de torcidas organizadas. Nem por isso são intitulados de histéricos.
A própria cantora fala do drama de ser mulher em um mundo que só aclama homens na letra de The Man. De fato, se ela fosse um, talvez o linchamento virtual no Brasil teria sido mais brando.
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