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Por Felipe Branco Cruz
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Alaíde Costa sobre ser esnobada pela Bossa Nova: ‘Preconceito velado’

A cantora de 86 anos, que participou da Bossa Nova e foi a única mulher creditada no álbum 'Clube da Esquina', diz que vive o melhor momento da carreira

Por Felipe Branco Cruz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 20 Maio 2022, 20h19 - Publicado em 20 Maio 2022, 10h24

“Eu tive mais tristezas do que alegria na minha profissão”, diz a cantora Alaíde Costa, de 86 anos, que lança nesta sexta-feira, 19, seu novo álbum O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim. A artista, que começou a cantar profissionalmente há 65 anos, nos programas de calouros de Ary Barroso, diz que só agora ela vive o auge de sua carreira. “Passei longos períodos sem gravar nada porque as gravadoras queriam que eu gravasse canções que não combinavam comigo, e eu não aceitava”, diz ela.

Para Alaíde, no entanto, o esquecimento foi fruto de um racismo velado. Nos anos 1950, quando já era uma cantora profissional, ela foi convidada por João Gilberto para ir na casa do pianista Bené Nunes, onde ocorreram algumas reuniões com os artistas que ajudaram a fundar a Bossa Nova, mas o nome dela nunca foi reconhecido por eles. “O que sofremos foi um preconceito racial velado na música. Negro não tinha que cantar rebuscado. Só podia cantar e rebolar.”

Anos depois, em 1972, Alaíde Nunes foi a única mulher a participar do histórico álbum Clube da Esquina, de Milton Nascimento e Lô Borges. Ela canta com Milton a música Me Deixa em Paz, no lado C do álbum. “Logo depois disso, eu fui esquecida novamente. Uma gravadora chegou a me convidar para gravar Serenata do Adeus, de Vinicius de Moraes, mas em ritmo de Iê Iê Iê. Achei um absurdo e não aceitei. Iriam jogar a música do Vinícius no lixo”, lamenta. Ela atravessou os anos 1980 fazendo apenas gravações independentes e se apresentando em lugares pequenos. Nessa mesma época, precisou fazer duas cirurgias (uma em cada lado do ouvido), para não perder a audição. “Graças a Deus deu tudo certo e agora, aos 86 anos, é que a minha audição está piorando de novo. Mas é a idade”, brinca.

O título do novo álbum, portanto, é mais que adequado para o momento que ela vive hoje. Redescoberta pelos jovens, caso do rapper Emicida, do músico Pupilo e do produtor Marcus Preto, Alaíde diz não acreditar que sua música, interpretada por sua voz suave e afinadíssima, ainda poderia agradar os mais jovens. Os produtores se uniram para fazer este novo álbum requisitando composições a outros artistas que também se diziam fãs de Alaíde. Como resultado, receberam composições de Erasmo Carlos, Ivan Lins, João Bosco, Joyce, Céu, Nando Reis, Fátima Guedes, Guilherme Arantes, Tim Bernardes e muitos outros. A resposta foi tão boa, que agora eles têm material suficiente para um novo disco, que deverá sair em breve. Alaíde conversou com a reportagem de VEJA por telefone e falou também sobre carreira e racismo. A seguir, os principais trechos.

Capa do álbum 'O que os meus calos dizem sobre mim', de Alaíde Costa
Capa do álbum ‘O que os meus calos dizem sobre mim’, de Alaíde Costa (//Divulgação)

Afinal, o que os seus calos dizem sobre a senhora? Eles falam da minha trajetória. E eles continuam dizendo muita coisa. Meus calos doem até hoje. Eu passei por vários períodos sem gravar nada. Foram muitos, muitos, muitos anos. Quando eu cantei no Clube da Esquina, eu já estava há sete anos sem gravar. Depois dele, eu fiquei mais um tempão sem gravar de novo. Na época do Clube da Esquina, foi um negócio tão absurdo que eu recebi uma proposta para gravar Serenata do Adeus, do Vinicius de Moraes, em ritmo de Iê, Iê, Iê. Você pode imaginar isso? Não dá para entender. Queriam jogar a música do Vinicius no lixo. Sempre que gravei algo foi porque eu realmente queria fazer. 

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Como a senhora vê a redescoberta da sua música por jovens produtores musicais? Me sinto muito lisonjeada. Já nessa altura da vida, aos 86 anos, com esses meninos gostando tanto de mim a ponto fazer essas gravações, é gratificante demais. Não é qualquer pessoa que a essa altura consegue uma maravilha dessas. Estou muito feliz.

Alaíde Costa com Emicida e Marcus Preto, responsáveis pela produção do álbum 'O Que os Meus Calos Dizem Sobre Mim'-
Alaíde Costa com Emicida e Marcus Preto, responsáveis pela produção do álbum ‘O Que os Meus Calos Dizem Sobre Mim’- (Enio Cesar/Divulgação)

Que balanço a senhora faz dos seus 67 anos de carreira? Eu tive mais tristezas do que alegria na minha profissão. Nos últimos anos, graças a Deus, eu tenho tido muitas alegrias. Como diz aquele ditado: “Deus tarda mas não falha”. Chegou a minha hora. Chegou a minha vez. Embora tenha chegado muito tarde por causa do avanço da idade. Mas vou levar esse momento comigo. Hoje eu estou muito mais feliz do que estive anos atrás. Estou no final da vida, tenho 86 anos. O reconhecimento chegou tarde, mas chegou.

Quais foram as tristezas da carreira? Essa coisa de ficar anos sem gravar porque eu nunca quis fazer concessões para as gravadoras. Foi muito difícil. É preciso ter muita personalidade para não aceitar fazer o que não quer.

A senhora participou dos primeiros encontros da turma da Bossa Nova, mas não foi lembrada por eles. Por que acha que isso aconteceu? Quando a turma da Bossa Nova surgiu – eles nem tinham esse nome – eu já era uma cantora profissional. Estava no comecinho da minha carreira gravando meu primeiro disco de 78 rotações. Encontrei com o João Gilberto no estúdio e ele me convidou para ir na casa do Bené Nunes. Lá eu conheci Oscar Castro-Neves, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli, Nara Leão, que faziam aquela música diferente e moderníssima para a época. Era tudo o que eu queria para mim. E foi assim o meu ingresso na Bossa Nova. Depois, eles fizeram várias apresentações, não sei quantos aniversários da Bossa Nova e eu jamais fui convidada para participar.

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Durante a pandemia, a senhora fez uma live cantando Johnny Alf. Ele também foi esquecido pela Bossa Nova? Com certeza. Essa coisa da Bossa Nova começou com ele. O que sofremos foi um preconceito racial velado na música. Negro não tinha que cantar rebuscado. Só podia cantar e rebolar. É muito difícil fazer aquilo que você acredita. Muito difícil.

Para este novo álbum, a senhora recebeu canções de Erasmo Carlos, Nando Reis e muitos outros artistas. O que achou? Fiquei surpresa em saber que o Erasmo Carlos é meu fã. Como assim, o Erasmo Carlos topou participar do meu disco? Fiquei honrada de verdade. Vou te contar uma coisa: Eu só vi o Erasmo Carlos pessoalmente uma vez, lá na época da Jovem Guarda quando eu fui convidada para participar de um programa deles na TV Record. Nem sei porque eu fui convidada. Sobre o Nando Reis, eu ainda não o conheci pessoalmente. Mas a letra da música Tristonho, que ele escreveu diz muito sobre mim – e sobre ele também.

A senhora teve problemas de audição no passado. Como enfrentou isso sendo cantora? Eu operei os dois ouvidos nos anos 1970. Mas eu não pude parar de trabalhar, porque cantar era a minha sobrevivência. Isso afetou minha audição. Eu ouvia uma coisa num ouvido e outra coisa em outro. Era um horror. Uma coisa de maluco. Consegui segurar as pontas. Melhorei. Só agora que a audição começou a piorar, mas é da idade.

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