Umberto Eco faz falta.
A frase não é retórica.
Poucos intelectuais souberam transitar com maior desenvoltura entre o eruditismo acadêmico e os interesses do grande público.
A lista dos temas que Eco estudou não tem fim: do romance popular do século XIX às subliteraturas do gênero James Bond que marcaram o pós-guerra, da cooperação interpretativa dos signos aos perigos das superinterpretações textuais, dos tesouros escondidos da estética medieval ao modo como as listas – sim, listas, catálogos, inventários – revelam o DNA das sociedades em que são criadas.
É provável que Eco tenha sido o primeiro teórico “sério” a estudar as histórias em quadrinhos sem recorrer à visão apocalíptica da Escola de Frankfurt. Quando chegou ao topo da carreira de linguista e semiólogo, deu uma guinada imprevista e publicou um romance, O Nome da Rosa, que se tornou um sucesso de vendas e lhe trouxe fama mundial.
Mas a grande vantagem de Eco era a forma com que conseguia pautar assuntos em escala planetária. Bastava que abrisse a boca numa entrevista para que temas invisíveis aos leitores aflorassem com a força de um furacão. Em fevereiro de 2016, quando morreu, era motivo de controvérsia por causa da sua declaração sobre os efeitos imediatos da comunicação instantânea:
As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel. O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.
O primeiro impulso dos críticos foi dizer que Umberto Eco detestava a internet, que era pouco afeito à comunicação entre pessoas sem diploma e que talvez temesse essa perda de “autoridade” que ele mesmo descreveu. O problema é que o pensamento de Eco caminhava em direção oposta, e é justamente por isso, por sua visão esperançosa em relação à internet, que toda essa desconfiança deve ser levada em conta.
Eco pintou um quadro ameno – e até engraçado – dos imbecis que estão saindo dos bares para dominar o mundo. Na verdade, são personagens muitíssimo mais nocivos, possuem a marca dos fascistas e dos grandes censores da história. Se fizermos uma comparação simples, perceberemos que nenhum governo totalitário do passado conseguiu trabalhar com a desinformação do modo como os imbecis estão fazendo hoje na internet.
As consequências são inúmeras, mas começo com três:
1. Os imbecis são pródigos em reescrever a história
Como se acham mais espertos do que a média, é óbvio que os imbecis desconfiam de absolutamente tudo que está escrito nas enciclopédias e nos livros didáticos, daí a necessidade de desenvolver novas teorias históricas que devem ser difundidas com pouca demora e muita teimosia. Cito dois exemplos banais que deram o que falar: “NÃO houve ditadura militar no Brasil” (por que matamos menos que os chilenos?) e “Hitler foi um político de esquerda” (naturalmente porque a palavra “socialista” estava na denominação do seu partido). O mais curioso em relação aos imbecis é a sua audiência, já que esses dois exemplos se espalharam como fogo num rastilho de pólvora seca.
2. Os imbecis são amantes da intolerância
Todo mundo gosta de dizer que respeita as ideias alheias, que está preparado para o contraditório etc., mas a verdade é que um pensamento democrático não se constrói da noite para o dia, ainda mais no ambiente selvagem e grosseiro das redes sociais. O prazer que o cérebro humano encontra nos ecos da própria ignorância faz com que os imbecis se unam em turbamultas geridas por palavras de ordem que são lançadas de um lado para o outro como balas de canhão. Além dos palavrões, a maior parte da crítica, hoje, está sendo feita com aquelas caretinhas de vômito publicadas no Facebook.
3. Os imbecis adoram difundir a mentira
Nem sempre um imbecil age por razões que considera partidárias ou ideológicas. Muitas vezes reencaminha ou compartilha fake news que têm toda a cara de fake news pelo simples prazer de fazer algo além de respirar. No geral, porém, professando um amor inconteste à simplificação, reencaminham mentiras para comprovar ou justificar os próprios preconceitos. E não devemos esquecer o importante detalhe de que as fake news viraram um excelente negócio. Muitos dos seus divulgadores agem a soldo, inclusive de políticos das mais variadas roupagens. Como resultado, navegamos todos num mar de sargaços e mentiras.
Menos de três anos depois, a declaração de Umberto Eco se confirma com exemplos irrefutáveis. Parece que está instalado o Império da Boçalidade. Você sabe o que fazer para reverter esse quadro? Eu confesso que não.