O propósito de reconciliar o país, expresso pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, já no discurso da vitória, transcende sua mera intenção, por mais sincera. Depende da receptividade do adversário.
Por aí, as chances são escassas, para dizer o mínimo.
Reconciliação não significa capitulação, mas desarmamento de espíritos, de modo a que os antagonismos, por mais extremados, se deem na arena política, dentro das regras do jogo democrático.
O PT não reza por essa cartilha – e já deu sinais claros nesse sentido. Basta ver o modo como tem reagido à derrota. Não fala em fiscalizar o futuro governo, combatê-lo no âmbito parlamentar, criticando propostas, denunciando erros, missão oposicionista.
Fala em resistência, revanche, ir às ruas. Põe em dúvida, nessa oratória incendiária, a legitimidade das eleições. Lula, ocultado no segundo turno para reduzir o desgaste da legenda, volta à cena, a partir da nomeação do juiz Sérgio Moro ao Ministério da Justiça.
A narrativa que o partido pretende difundir – e já o faz – é tortuosa; pretende associar a derrota do PT a um plano maquiavélico, segundo o qual Moro teria prendido Lula para propiciar a vitória de Bolsonaro. A recompensa estaria sendo paga agora, com a nomeação de Moro para o Ministério. Lula, portanto, seria um preso político. E Bolsonaro e Moro, dentro desse raciocínio, criminosos.
É claro que essa versão esbarra em provas e testemunhos abundantes, que indiciam o ex-presidente em diversas falcatruas, que virão à tona mesmo sem a presença de Moro no Judiciário.
Mas o PT, quanto a isso, segue a receita de Goebbels, o ministro da Propaganda de Hitler: “Uma mentira repetida à exaustão vira verdade”. A Lava Jato não depende de Moro, que dela se tornou um símbolo, mas que já adquiriu autonomia para seguir sem ele.
Dias depois do segundo turno, Guilherme Boulos (que, mesmo com 0,5% dos votos no primeiro turno, pretende falar em nome do povo) levou sua turma à avenida Paulista e promoveu o que de melhor sabe fazer: baderna, quebra-quebra, provocação.
Pior: voltou a conclamar seus adeptos a invadir a casa de Bolsonaro, reincidindo no mesmo crime de incitação à violência. A retórica do PT o estimula. Gleisi Hoffmann, presidente do partido, informa que a “resistência” se dará nas ruas. José Dirceu, ainda solto, já havia dito que a “tomada do poder” independe de ganhar eleições.
Mas o ponto mais delicado no desafio de promover a reconciliação está no meio estudantil.
Nele, a esquerda ergueu sua mais forte cidadela. São décadas de ação doutrinária, que remonta ao período militar, e já formou gerações de professores, que só admitem a divergência nos termos e no campo das ideias da própria esquerda. Fora daí, é “fascismo”.
Os fascistas não fariam melhor. Há numerosos vídeos na internet de milícias estudantis em universidades públicas (e mesmo em escolas secundárias), agredindo e impedindo que colegas divergentes se manifestem – ou que sequer permaneçam no campus quando identificados. Como reverter esse quadro?
O uso de força policial se mostra ineficaz e resulta em desgaste ainda maior, realimentando a hostilidade e o radicalismo. E é exatamente nesse nó cego que a esquerda continuará a investir, em clima de desafio permanente à nova ordem.
Ruy Fabiano é jornalista