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O silêncio que nos cura

O silêncio está se revelando um antídoto fundamental de prevenção em distúrbios mentais

Por Juan Arias
Atualizado em 30 jul 2020, 19h12 - Publicado em 16 jan 2020, 08h00

Por Juan Arias

Neurocientistas, estudiosos dos mecanismos cerebrais, estão descobrindo a dimensão terapêutica do silêncio. Dizem que, em contraposição ao ruído, o silêncio está se revelando um antídoto fundamental de prevenção, por exemplo, em distúrbios mentais como a depressão ou na doença de Alzheimer. E no bem-estar geral do organismo, a começar com um sono melhor e mais profundo.

E esses mesmos especialistas na dinâmica do cérebro e da memória alertam, por sua vez, para a falta de espaços de silêncio em nossa civilização do ruído, à qual se acrescentou o estrondo das redes sociais. O silêncio hoje se esconde, envergonhado, nos nichos dos que estão descobrindo suas vantagens para o corpo e para a alma.

Se a busca do silêncio foi um dia objetivo dos mosteiros, onde, aliás, os monges que tinham escolhido o silêncio viviam até 20 anos mais do que as pessoas comuns, hoje começa a ser uma busca das pessoas mais aprisionadas pelo ruído físico ou mental.

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Se um dia o silêncio foi um luxo de poetas e místicos, hoje sua prática está se disseminando e é recomendada pelos médicos, na forma de meditação, exercícios de ioga ou fuga do barulho das grandes cidades para buscar, na nostalgia da cidadezinha perdida da infância, o silêncio da natureza.

E as crianças descobrem nesses oásis de paz, cada vez mais escassos, o silêncio do balido das ovelhas, o canto solene do galo ou o zumbido das abelhas criando mel, como algo inusitado para eles. Esses silêncios da natureza costumam ser uma descoberta agradável para os pequenos, filhos do ruído dos motores da cidade.

Existem os silêncios da leitura e o barulho da ignorância. Grita-se para ocultar as razões que nos faltam. O silêncio é indecifrável, mas impõe respeito. Em toda a literatura o silêncio é tratado com distinção. O místico espanhol Juan de la Cruz fala da “música calada e a solidão sonora”. Hoje até a música se tornou ruído e solidão infunde medo.

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Precisamos descobrir o silêncio das plantas à medida que crescem. Fazem isso em um silêncio cósmico. Brotam, crescem e se revelam sempre em silêncio. Conseguir escutar a voz de uma flor que vai abrindo suas pétalas à luz é esforço em vão. Florescem em silêncio absoluto. Goethe, o grande poeta e cientista alemão, admirava, em êxtase, no peitoril de sua janela, “o lento despertar da vida em silêncio”.

O místico islâmico sufista Rumi escreveu que o silêncio é “a linguagem do divino”. E no livro de Jó se lê: “Guarda silêncio e te ensinarei a sabedoria”. O silêncio é o coração do fogo de onde nascem as palavras mais prenhes de vida. O ruído é uma sacola de nozes vazias.

As palavras, algo que os poetas conhecem muito bem, são engendradas mais em silêncio que no barulho. Ainda escrito no ruído de nossa civilização, o silêncio precede a poesia e a fecunda. Algo como o silêncio imperceptível das mãos do torneiro moldando a lama para transformá-la em uma bela escultura.

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Muitos dos males da mente são causados por excesso de ruído. Há barulhos que descompõem a mente e a arrastam para a depressão, e silêncios que nos recompõem e nos harmonizam. As inimizades são ruído. Os abraços são silêncio.

O silêncio é o poema escrito na tela do infinito. A amizade e o perdão são um silêncio sonoro. O ódio é o ruído da larva que cresce dentro de nós.

Há ruídos que são silêncios profundos, como o do vento batendo no rosto em meio às dunas do deserto, ou o das pedras arrastadas pela água limpa de um arroio da montanha. Ele é criado no silêncio da vida que germina e destruído no estrondo das guerras.

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O ruído nos leva a esquecer quem somos, e o silêncio nos revela. Tentamos mudar o mundo com ruídos e convulsões, mas só o salvaremos com a silenciosa entrega à vida.

Para concluir este artigo fui buscar um poema clássico sobre o silêncio. Escolhi um da coleção do grande escritor e poeta uruguaio Mario Benedetti. São apenas quatro versos e resumem a infinita literatura sobre o silêncio e suas belezas. Intitulado O Silêncio, sem adjetivos. Escreve Benedetti:

“Que esplêndida lagoa é o silêncio

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Ali na margem um sino espera

Mas ninguém ousa afundar o remo

No espelho das águas quietas” (em tradução livre)

O silêncio está sempre grávido de palavras sem pronunciar. Aqui, neste sucinto poema, Benedetti propõe a bela metáfora dos sinos e do remo do barco que não se atrevem a interromper o silêncio sagrado do lago.

Felizes silêncios criativos de paz e diálogo para meus leitores neste 2020, que já começou a correr ruidoso com o temor da explosão de novos conflitos mundiais. Se Moisés foi capaz um dia de parar o sol, como conta a lenda bíblica, que nós sejamos capazes também de deter as mãos suicidas daqueles que ainda continuam amando mais o estrondo da guerra do que o silêncio da paz.

 

(Transcrito do jornal El País) 

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