A China – mais especificamente o Partido Comunista Chinês (PCC), que a governa com mão de ferro – tornou-se presença cada vez mais visível, atuante e provocante no cenário político brasileiro.
Para além de ser hoje o maior parceiro comercial do país, superando os Estados Unidos, fez dessa condição passaporte para intervir nos embates da política interna (quando não provocá-los).
Não começou agora. Já na campanha eleitoral de 2018, o PC chinês apoiou explicitamente a candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República. Não houve nem a preocupação de fazê-lo discretamente, já que, aqui como lá, a lei não admite interferência externa na disputa eleitoral. Mas quem está preocupado com a lei?
Encontros entre Ciro e dirigentes do PCC, no âmbito da embaixada, foram fotografados e filmados seguidas vezes, como se nada de irregular ali houvesse. A própria embaixada noticiou-os no seu site da internet. A Justiça Eleitoral não se pronunciou.
De lá para cá, tudo foi se tornando mais explícito, até chegar ao protagonismo desta semana, por intermédio do embaixador chinês Yang Wanming.
Após indispor-se com o deputado Eduardo Bolsonaro, por este ter feito, dentro de suas prerrogativas de parlamentar, críticas ao governo chinês (que, diga-se, já haviam sido feitas anteriormente pelo presidente Donald Trump), não hesitou em estender as agressões, antidiplomáticas, ao próprio presidente Bolsonaro.
Compartilhou, no twitter, post que insultava o presidente e sua família, classificada no texto como “podre”. O chanceler Ernesto Araújo, após dizer que a opinião do deputado não era a do governo, cobrou retratação do embaixador pelo compartilhamento do insulto.
O embaixador Wanming ignorou a exigência, limitando-se a retirar o post. É interessante que a reação às palavras do deputado – que mencionou a origem chinesa do vírus e o grave gesto de ocultá-lo – não tenha ocorrido em relação a Donald Trump, que disse o mesmo, com palavras bem mais duras. Ali nem houve resposta.
Como é óbvio, o protagonismo chinês na política interna brasileira não ocorreria sem alianças consideráveis.
No episódio mencionado, a primeira voz a se levantar foi a do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para censurar o deputado Bolsonaro e dizer que ele não falava em nome da Câmara.
Ora, a lei garante ao parlamentar direito à liberdade plena de expressão, representando ou não a palavra da Câmara. A propósito, não existe a “palavra da Câmara” e sim a de seus integrantes, que jamais é uníssona e cuja força é exatamente a sua diversidade.
Outro entusiasta da intervenção chinesa na política brasileira (talvez o maior) é o governador de São Paulo, João Doria.
No dia 24, ele, Rodrigo Maia e mais cinco governadores – Helder Barbalho (PA), Ronaldo Caiado (GO), Eduardo Leite (RS) e Romeu Zema (MG) –, todos em rota de colisão com o presidente Bolsonaro, reuniram-se com o embaixador chinês em Brasília, apoiando-o em relação ao conflito diplomático que provocara.
Esse apoio não foi meramente simbólico. Foi verbalmente explicitado. O interesse chinês na ocupação do Brasil ganhou musculatura também com as parcerias estabelecidas no âmbito das comunicações. A TV estatal chinesa CCTV é hoje dona de considerável parcela da Rede Bandeirantes e firmou também parcerias (em condições ainda desconhecidas) com o Sistema Globo.
Em tempo de sufoco financeiro para a mídia nacional, privada da verba publicitária estatal, o dinheiro chinês é visto como uma benção. O custo, no entanto, é a relativização crescente da soberania nacional. Mas quem está preocupado com isso?
Ruy Fabiano é jornalista