Discutir pesquisas é catar pelo em ovo. Não leva a nada. Por isso, tentar apequenar pesquisa do Ibope sobre o governo, sob o argumento de que os institutos erraram durante a campanha eleitoral, é chover no molhado.
Paradigmas do marketing foram para o lixo na última campanha, incluindo organizações de pesquisa, mas é visível o arrefecimento da imagem presidencial. Por quê? Ora, não houve ainda fato relevante para sustentar o otimismo com o governo do capitão.
Vejamos o que acontece. O presidente usa o tom da campanha, fustiga adversários e puxa o cordão de apoiadores; formou uma equipe com nomes polêmicos; não se vê uma campanha popular para explicar a reforma da Previdência; a parceria com bancadas temáticas fecha portas para indicações políticas; o ruído provocado por três polos de comunicação – o familiar, o do porta-voz Rêgo Barros e o da Secom, do general Santos Cruz – todos esses fatores desgastam a imagem presidencial.
A lua de mel de uma nova administração dura de quatro a seis meses. Temos ainda bom tempo para que se fazer uma análise mais apurada do ciclo governamental. Mas o declínio é visível por algumas razões.
Primeiro, falta uma ideia/ação capaz de entusiasmar os eleitores. Há um amplo e denso pacote de programas a passar pelo Congresso. Mas a articulação política é fraca. O presidente, por sua vez, reacende ânimos nas redes. Dá a entender que continua em palanque. O núcleo familiar causa barulho, com destaque para o caso Fabrício Queiroz, ex-assessor do então deputado Flávio no RJ; Carlos aprecia a guerra continuada. E o deputado Eduardo se credencia como um “co-chanceler”, despertando ciúmes do titular Ernesto Araújo.
Os canais com o Congresso parecem entupidos. Bolsonaro evita governar com os braços presos ao presidencialismo de coalizão, fechando espaços para indicações políticas. Nem Paulo Guedes consegue convencer deputados sobre a reforma. O governo tem até gosto para ver aprovada a Previdência. Se não ocorrer, o clima será de escarcéu.
Dificuldades aumentarão. Fraco, o governo enfrentará as oposições e os próprios aliados. Fato é que a identidade do governo ainda não se firmou. Tateia na escuridão – é esta a impressão que passa. O ultraconservadorimo funciona como marca da administração, presente em pautas como escola sem partido ou ideologia de gêneros. Agrada aliados, mas gera contrariedade.
As tragédias de Brumadinho (MG) e os assassinatos de jovens em Suzano (SP) baixaram uma sombra de desalento e medo. Armar a população é uma questão polêmica, com alas a favor e contra. A educação vive uma balbúrdia. Foi demitida a terceira indicada como secretária-executiva. O ministro Vélez não sabe se fica ou sai.
A prisão do ex-presidente Michel Temer gera nebulosidade. O instinto de sobrevivência dos políticos entra em alerta. Juiz e promotores antecipam seu julgamento com inferências pesadas. Desfaz-se o clima propício à aprovação da Previdência. O governo se perde na escuridão. A visão de que o avião governamental começa a perder altura na decolagem parece correta. Até Rodrigo Maia, peça-chave na engrenagem, recua alguns passos. Acende-se o sinal amarelo.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político.