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O primeiro blog brasileiro com notícias e comentários diários sobre o que acontece na política. No ar desde 2004. Por Ricardo Noblat. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.

Nada de novo sob o sol (por André Gustavo Stumpf)

Apoiadores do presidente Bolsonaro não escondem o desejo de voltar aos governos militares

Por André Gustavo Stumpf
Atualizado em 18 nov 2020, 20h01 - Publicado em 25 ago 2020, 11h00

Mário Henrique Simonsen, ultraliberal, considerado gênio da economia tinha suas manias, como todo gênio que se preze. Ele, por exemplo, passava a semana usando o mesmo terno. E só tinha dois. Usava um na semana, outro nos sete dias seguintes. Seus amigos fizeram até vaquinha para comprar mais um conjunto de calça e paletó para o ministro.

Ele era um boa praça, homem rico, cantor de ópera amador, que se divertia fazendo equações, jogando xadrez, escrevendo textos sobre o destino do Brasil. Neles defendia a privatização de empresas estatais, a redução do estado e a abertura da economia. Discurso parecido com o de Paulo Guedes, porém mais inteligente, irônico e aberto ao debate.

Ele foi ministro forte no governo do general Ernesto Geisel, de 1975 a 1979. Na mesma administração, havia Severo Fagundes Gomes, homem culto, experiente, viajado, ótimo papo, liberal, industrial rico e defensor do capital brasileiro. Ele e Simonsen se respeitavam, mas falavam idiomas diferentes.

Severo defendia, junto com alguns militares e parcela da bancada de esquerda do Congresso, a indústria nacional. Eles foram responsáveis pela reserva de mercado para produção de computadores no Brasil, impedindo a entrada do produto estrangeiro. Simonsen, naturalmente, queria abrir o mercado.

Na questão política, o governo Geisel tinha dois lados opostos. O chefe da Casa Civil, general Golbery do Couto e Silva, trabalhava a favor da abertura lenta, gradual e segura. Na primeira semana daquela administração, ele, pessoalmente, me relatou o objetivo do governo e as etapas para conseguir alcançar aquele alvo, ou seja, a redemocratização do país.

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Isso naturalmente envolvia a sucessão do presidente. Por essa razão, a escolha de João Baptista Figueiredo já estava decidida desde o início daquele governo.

No lado oposto estava o grupo que não queria que a sociedade evoluísse para uma democracia liberal. Preferia manter a política nas mãos dos generais. Seu representante maior foi Sylvio Frota, ministro do Exército.

Havia generais no Serviço Nacional de Informações (SNI) que não tinham nenhuma simpatia pela política de abertura, lenta, segura e gradual. Estes grupos continuam vivos. Apoiadores do presidente Bolsonaro não escondem o desejo de voltar aos governos militares e o retorno do AI-5. É o que sonha o pessoal da antiga.

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No feriado de 12 de outubro de 1977, o Palácio do Planalto amanheceu protegido por soldados e atiradores de elite em posições estratégicas. O presidente da República decidira exonerar seu ministro do Exército, Sylvio Frota, que era abertamente contra o processo de abertura lenta e gradual na política brasileira.

Naquele dia de Nossa Senhora Aparecida ocorreu o confronto decisivo entre os partidários da democracia e os defensores do regime fechado conduzido pelos militares. O presidente convocou uma reunião do Alto Comando do Exército. Sylvio Frota convocou outra reunião na mesma hora, mas em outro local. No gabinete dele.

A maioria dos generais foi para o Palácio do Planalto. E Frota foi demitido. Houve ainda uma série de incidentes até que a Constituinte fosse convocada, o que só ocorreu no governo Sarney, depois do trauma da agonia e morte de Tancredo Neves.

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O governo Geisel viveu a crise do petróleo. Acabou a gasolina no Brasil. Foi instituído o racionamento. As pessoas tinham que comprar boletos, chamados de simonetas, para adquirir gasolina. Os postos de combustíveis fechavam as oito da noite e abriam as seis da manhã. Naturalmente, crise econômica pesada se instalou no país. A saída sugerida por Simonsen era abrir a economia e convidar o capital internacional a investir no Brasil.

Uma das primeiras soluções foi demitir Severo Gomes do Ministério da Indústria e Comércio. Parecia que o rumo econômico estava decidido. Porém o país entrou numa espiral inflacionária e aumentou muito a dívida externa, que mais tarde iria resultar na moratória, já no governo Sarney.

Os militares retomaram o conhecido caminho do nacionalismo. Mais empresas estatais. Desta vez, quem saiu do governo foi Mário Henrique Simonsen.

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Aqui, neste canto de mundo, as crises são iguais, só mudam os nomes dos envolvidos. Nacionalistas versus globalistas. Ultradireita que pretende fechar o Congresso e o Supremo, contra grupos a favor da democracia e das liberdades públicas. Só falta surgir a divisão dentro do Exército. É possível que aconteça nos próximos tempos. Mas também já ocorreu antes.

E, como sempre, a instabilidade política enriquece investidores e o pessoal do mercado financeiro. Nada de novo sob o sol. Mediocridade assustadora.

 

 

André Gustavo escreve no Capital Político. Formado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), onde lecionou Jornalismo por uma década. Foi repórter e chefe da sucursal de Brasília da Veja, nos anos setenta. Participou do grupo que criou a Isto É, da qual foi chefe da sucursal de Brasília. Trabalhou nos dois jornais de Brasília, foi diretor da TV Brasília e diretor de Jornalismo do Diário de Pernambuco, no Recife. Durante a Constituinte de 88, foi coordenador de política do Jornal do Brasil. Em 1984, em Washington, Estados Unidos, obteve o título de Master em Políticas Públicas (Master of International Public Policy) com especialização política na América Latina, da School of Advanced International Studies (SAIS). Atualmente escreve no Correio Braziliense. ⠀

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