Lula encurralado em Buenos Aires
Lula foi cercado por jornalistas, fãs e autoridades na entrada de um elevador.
Eu ainda me lembro, como se fosse hoje, quando fomos expulsos por seguranças da Universidade Metropolitana para a Educação e o Trabalho (UMET), em Buenos Aires. Estávamos lá, nós jornalistas, para cobrir uma visita de três dias do ex-presidente Lula. Ele tinha uma série de compromissos na cidade, inclusive manifestar apoio ao então candidato à presidência da Argentina Daniel Scioli.
Eu me recordo bem desse dia pois estávamos quase na primavera, quando as temperaturas costumam ser amenas. No entanto, nesse dia, fazia um frio horrendo. Por isso, quando fomos expulsos da sede da UMET, onde uma mostra de fotos sobre o Lula era inaugurada com sua presença, ficamos batendo o queixo ao esperar do lado de fora.
Estávamos acostumados a cobrir esse tipo de visita, mas esse dia foi diferente. Em outras ocasiões eu já tinha estado com o ex-presidente, sempre afável e brincalhão. Não nesse dia. Fomos pressionados a perguntar ao Lula sobre um recente pedido da Polícia Federal para que ele prestasse depoimento no âmbito da Lava Jato. Era algo novo. Tanto que, na confusão, um dos nossos colegas, que havia ficado no prédio, foi expulso de forma abrupta. Tudo foi feito para que não chegássemos perto do ex-presidente. O clima começava a mudar e esse dia marcaria o longo processo contra Lula, que culminou com o pedido de prisão nesta quinta.
A jornalista Marcia Carmo fez, na ocasião, um relato irretocável para a versão em português do jornal Clarín sobre um dos momentos mais tensos da visita. Intitulou a matéria de “E o elevador não chegava”. Minutos antes de deixar Buenos Aires, Lula foi cercado por jornalistas, fãs e autoridades na entrada de um elevador. Encurralado, teve que permanecer esperando o ascensor por cerca de 15 minutos, que visivelmente pareceram, a ele, uma eternidade. Alguns aproveitavam para tirar selfie, outros pediam autógrafos, enquanto jornalistas brasileiros insistiam na pergunta da Lava Jato. Era uma mistura de tietagem e cilada que iam em um crescente, aumentando o incômodo do ex-presidente.
“Eu não sei como comunicaram a vocês e não me comunicaram. É uma pena”, disse Lula finalmente. “Nunca vi um elevador demorar tanto”.
Nessa mesma visita, foi concedido a Lula, pelo pensador argentino Bernardo Kliksberg, o título de “incorruptível”. Ele recebeu também seu 11º título universitário. A imprensa argentina não deu a menor bola para nossa missão de entrevistá-lo sobre a Lava Jato. Teve gente que ficou irritada com a intromissão de Lula na corrida presidencial local. Mas, naquele dia, jamais poderíamos imaginar o desenlace da pergunta que fizemos ao ex-presidente em uma tarde de quase primavera em Buenos Aires.
Gabriela G. Antunes é jornalista. Morou nos EUA e Espanha antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald e hoje é uma das editoras da versão em português do jornal Clarín. Escreve aqui todos os sábados