Acostumado a falar só para sua galera nas redes sociais, Jair Bolsonaro descobriu agora as maravilhas dos pronunciamentos em cadeia nacional obrigatória de rádio e TV, instrumento garantido em lei para o presidente da República, ministros e chefes de outros poderes – mas que, em última instância, é controlado pelo Executivo, a quem cabe requisitar os horários às emissoras. Desde que começou a pandemia, talvez por perceber que seu Ibope na Internet já não é o mesmo, já falou cinco vezes.
Mas o que é mesmo que um chefe de Estado diz quando ocupa os meios de comunicação para dar um recado à nação? Supostamente, alguma coisa importante. Temos visto pronunciamentos dos mais variados, no Brasil e em outros países: anúncio de medidas, discursos laudatórios elogiando a própria atuação, defesa diante de acusações, solidariedade ao povo em momento de tragédias, apelos políticos ao Congresso e outras instituições, comemoração de datas festivas, etc. Até a Rainha Elizabeth, da Inglaterra, fez uma raríssima aparição na TV inglesa – a quinta em 68 anos de reinado – conclamando o povo a manter o ânimo e se unir no combate à Covid-19.
Não chega a ser anormal que o governante aproveite politicamente a oportunidade desses pronunciamentos para reforçar sua imagem – a maioria faz isso, mundo afora. O que nunca vimos é um presidente da República se comportar como um chefe de torcida, um comentarista, um vendedor, ou mesmo um candidato que nunca venceu uma eleição numa ocasião solene dessas.
É o que tem feito Bolsonaro em seus discursos na TV, onde tem se despido da autoridade presidencial para defender pontos de vista controversos, como a suposta necessidade de suspensão do isolamento social que fechou comércio e escolas nos estados. “Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa”, disse ele. Mas estava anunciando a “volta à normalidade”? Não. Tinha alguma ideia de quando isso irá acontecer? Também não. Até porque confessou candidamente que não fora consultado pelos governadores, em cima de quem, também em cadeia nacional de rádio e TV, jogou a responsabilidade pelo eventual impacto na economia.
Muito cidadão deve ter se perguntado por que cargas d’água o presidente da República terá ido à TV falar de uma medida que não tomou e, pelo que diz, não pode tomar? Não é postura de chefe de estado e de governo, que tem autoridade para anunciar, determinar, comandar… Qualquer um tem autoridade para chutar. Mas o chefe do Executivo sofre irremediável rebaixamento na hora em que faz um pronunciamento à nação “pedindo” alguma coisa aos chefes estaduais. Que presidencialismo é esse?
Da mesma forma, Bolsonaro tem feito altos elogios à hidrocloroxiquina em suas mensagens à nação. Mas não anunciou qualquer decisão sobre o uso do remédio ou alguma medida efetiva para facilitar sua adoção na rede de saúde do país. Isso, sim, seria papel do presidente da República – concordando-se ou não com o mérito da medida. Em vez disso, Bolsonaro usou o nome de um sério e renomado cardiologista recém-recuperado da Covid-19, o dr. Roberto Khalil, para fazer proselitismo sobre o tratamento.
Contrário a medidas tomadas por seu próprio governo e pelos estados no combate à pandemia, Bolsonaro não assume a postura de presidente da República. Parece mais um crítico, ou um candidato adversário, que vai à TV falar e jogar para a plateia. Falta-lhe coragem – e, claramente, capacidade – para exercer suas atribuições constitucionais, trabalhar e mudar as coisas. No reino das fakenews, é um fakepresidente. Só que o coronavírus, lamentavelmente, não é fake.
Helena Chagas é jornalista