Texto do dia 07/04/2011
Era uma vez um francês que media quase 2 metros de altura, falava português com um sotaque carregado, vestia-se de maneira sóbria e elegante e sabia ser gentil com as pessoas. Um sedutor!
Dono de vasta cultura e de uma memória prodigiosa, sentia-se particularmente estimulado quando lhe pediam para falar de um velho amigo – Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger Foscolombe de Saint-Exupéry.
– Ah, como foram quase sempre agradáveis nossos voos solitários sobre o Atlântico – divagava melancólico.
E lembrava sobre o quê conversavam. Contava histórias de países exóticos que haviam conhecido juntos. E até se permitia cometer algumas indiscrições sobre determinados hábitos de Saint-Exupéry.
– Meu velho amigo se tornou um dos homens mais famosos do mundo – declamava orgulhoso.
E, provocado, citava de cor trechos inteiros do livro que imortalizou Saint-Exupéry, O Pequeno Príncipe, que ontem completou 68 anos desde que foi publicado pela primeira vez .
Na França? Não.
Nos Estados Unidos, em inglês e francês, no dia 6 de abril de 1943. Na França, a primeira edição só saiu em 1946. Saint-Exupéry estava morto. Hoje, o livro pode ser lido em 250 línguas e dialetos.
Pois é. Envelheceu o sábio menininho de cabelos louros cacheados que cativou tantas gerações desde então.
Em 1968, o tal amigo de Saint-Exupéry estava no Recife, paparicado pela alta sociedade, na condição de comandante da Varig encarregado da inauguração do voo que ligaria a cidade a Paris.
Fora hóspede do luxuoso Grande Hotel. Estava hospedado no Hotel São Domingos quando o entrevistei para o Jornal do Commercio a pedido de Vladimir Calheiros, editor-chefe do jornal.
Antes de entrevista, reli O Pequeno Príncipe, li Voo Noturno, do mesmo autor, e consultei tudo o que havia sobre Saint-Exupéry em duas pastas do Departamento de Pesquisa do jornal.
A entrevista ocupou a capa do Caderno 2 com direito à chamada na primeira página do jornal.
O francês telefonou no mesmo dia elogiando minha fidelidade ao que ele dissera. Por fim, convidou-me para o voo inaugural da rota Recife-Paris.
Paris!!!
Eu só voara uma vez na vida – assim mesmo entre Recife e Salgueiro, alto sertão de Pernambuco. Uma viagem de menos de uma hora num desconfortável avião do Exército destinado a paraquedistas.
Tinha 18 anos.
O jornal concordou com a viagem a Paris. Exultante, tirei passaporte. Consegui roupa de frio emprestada por amigos. E por fim procurei a gerência da Varig para saber a data do voo.
A gerência da Varig procurava o tal francês desde o dia da publicação da entrevista.
Ele dera um cano nos hotéis onde se hospedara. Enganara as muitas pessoas que o recepcionaram. Não era francês – era argelino. Não era comandante da Varig. Tampouco a Varig pretendia inaugurar a rota Recife-Paris.
Se tinha sido amigo de Saint-Exupéry, não se sabia. Jamais se soube.
Sempre que leio alguma notícia sobre O Pequeno Príncipe me lembro do grande e fascinante vigarista que conheci.[Não foi o único.}