Desastre anunciado (Por Edvaldo Santana)
‘Estrategista’ não contratou, previamente, vacinas suficientes
Em abril de 2020, eram claros os sinais de que os efeitos do Sars-CoV-2 seriam gravíssimos. Era uma doença desconhecida. A saída definitiva estaria na vacina, que imediatamente começou a ser estudada.
Em julho de 2020, já se sabia que esforços científicos levariam, em tempo recorde, a diversos imunizantes. Em setembro, era notícia que o imunizante seria injetável. Mesmo com essa concretude de informações, o “estrategista” não contratou, previamente, vacinas suficientes, tampouco os meios para aplicá-las.
No Brasil, os primeiros 11 meses da pandemia já superam 220 mil mortes. É como se a colisão do Embraer Legacy com o voo 1907 da Gol, com 154 mortes, ocorresse 1.429 vezes, ou 130 desastres ao mês, mesmo pré-conhecidas as causas e os efeitos.
No Brasil, o risco de morrer de Covid-19 já é de 0,1%. Parece baixo, mas é 50 mil vezes maior que ganhar na Mega-Sena com única aposta. Entre expor a população à roleta-russa de relaxar o distanciamento social e investir na vacina, a escolha foi por arriscar a vida dos (des) governados. Trocou-se a certeza da sobrevida pelo risco de morte.
O axioma é de Chico Buarque: todo governo deve ter um Ministério do Vai dar Merda, para evitar dissabores, pelo menos os mais graves. Seria uma espécie de navegador. Porém, no episódio da pandemia, em que só há um inimigo, o Sars-CoV-2, o navegador e o piloto transformaram aliados (distanciamento social e vacinas) em rivais.
Mesmo diante de um desastre previsível, a quantidade de doses de vacinas não é suficiente nem para atendimento de 30% do primeiro grupo de prioritários. E não temos, em volume necessário, insumos essenciais, importados da China, para a produção de dois imunizantes contratados. A negociação diplomática é liderada por autoridades que não perdem a chance de tripudiar dos chineses. E, arrogantes, votaram contra a Índia na quebra de patentes de insumos essenciais para a produção dos imunizantes. A certeza: caos e desordem. Morreremos mais.
Os livros de história retratarão o período atual como o da estupidez. O cenário é de extrema preocupação. Piorará muito antes de melhorar. Ao ritmo de mil mortes por dia, não será surpresa se o número total superar 350 mil antes da metade do ano. Se o crescimento da economia era o argumento para negligenciar a ciência, o fracasso será o castigo para tamanha mediocridade.
A America’s Cup é uma ilustrativa competição do iatismo. Na etapa mano a mano, os veleiros alcançam 45 nós ou 83 km/h. Dois são os adversários: o outro veleiro e o vento, que muda abruptamente de direção e de velocidade. É fator crítico a performance do piloto e do navegador ou estrategista. Rapidez de raciocínio é pré-requisito para ambos. Vence a regata quem é bem-sucedido em transformar o vento em aliado. Fico a imaginar qual seria o desempenho das tripulações se o navegador fosse o general Pazuello, com o capitão Bolsonaro no leme. Dariam com os burros n’água ou a água daria neles.
Edvaldo Santana é professor titular do Departamento de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina. Artigo transcrito de O GLOBO