JMessias, o presidente, despudorou-se. Tomou gosto por desnudar-se – sem filtro, sem cerimônia ou limites. Sem equilíbrio ou qualquer respeito, revela-se em praça pública. E agride, fere. “Um dia, se o presidente da OAB [Felipe Santa Cruz] quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Eu conto pra ele”, desafiou Bolsonaro ontem, segunda-feira, 29/07.
Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, o pai de Felipe, foi “desaparecido” em fevereiro de 1974, após ter sido preso no Rio de Janeiro por agentes do DOI-Codi, órgão de repressão da ditadura militar. Fernando era estudante de direito e funcionário do Departamento de Águas e Energia Elétrica em São Paulo. Militava na Ação Popular (AP), uma das organizações de combate à ditadura. Felipe tinha dois anos quando o pai desapareceu.
Ou seja, o nosso presidente, militar reformado, despudoramente, declara ter o histórico de um dos “desparecimentos” de opositores da ditadura oficial que governou o país por 20 anos. Os desaparecidos eram presos políticos mortos na tortura – método de interrogatório usado, então, contra eles, particularmente.
A declaração não é só cruel e inacreditável. É crime. Ou não é crime ter conhecimento de violação da lei e não a denunciar?
Antes que o dia terminasse, o PR usou rede social para tentar escapar de futuros problemas. Escreveu que Santa Cruz foi morto pelo “grupo terrorista” AP, por seus parceiros de luta. Comprovação?
– De quem eu obtive as informações? Com quem eu conversava na época, ora bolas, despachou o capitão-presidente, enquanto enrolado em panos cortava o cabelo. Assim no modelão gente-como-a-gente.
A Comissão da Verdade apontou oficialmente que o pai de Felipe foi morto por agentes do Estado, na ditadura.
JMessias não teme mentir. Não se intimida com as leis que nos protegem (?) e devem punir mentiras. Parece ter certeza que hoje ele é a lei. Assim, diariamente, desafia o bom senso de seus governados. Diz que beneficiará sim seus filhos. Nepotismo? E daí? Um dos garotos será embaixador nos States, outro ensaia tornar-se porta-voz do governo.
Parentes usaram helicóptero do governo para irem ao casamento do filho presidencial. “Vou negar helicóptero e mandar ir de carro?” Simples assim.
Os incomodados que tirem calcinha e cueca pela cabeça.
Disse, sem ficar vermelho, que não há fome no Brasil e que o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) falseia desmatamentos. Sobre a questão ambiental, vomitou: “Só interessa aos veganos, que comem só vegetal.”
De língua cada vez mais solta, chamou uma jornalista de feia, outra de mentirosa, classificou pergunta de idiota. De novo, desqualificou sofrimento diante da tortura e 56 milhões de nordestinos, de sete estados. Alagoanos, baianos, cearenses, maranhenses, paraibanos, pernambucanos, piauienses, norte-rio-grandenses e sergipanos foram reduzidos pelo comandante em chefe a um único e debochado gentílico: paraíbas.
Nada acontece.
Na mesma vibe do chefe, e nos mesmos derradeiros dias, a ministra Damares, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pôs as calcinhas na mesa e atribuiu à falta delas o aumento dos estupros na Ilha de Marajó, no Pará. Seu colega, Ricardo Salles, do Meio Ambiente, usou rede social para reproduzir propaganda de empresa privada. “Chega de sandália de couro e sunga de crochet… daqui para a frente, só de Chevrolet … kkk”.
A propaganda em questão enaltece o agronegócio e propõe trocar reclamações sobre a situação do país pelo seu novo carro – um S10 poderoso.
Nada acontece.
Tendo ministros como coadjuvantes, JMessias extrapola. Faz pensar que é tolerado por ser só um cavalo de Tróia, tosco e cruel, posto aqui para chamar a atenção, distrair, enquanto do seu bojo, da barriga, saem invasores, predadores que, aproveitando a distração e a perplexidade geral, desmontam, desfazem, saqueiam e tomam pra si o país.
Tânia Fusco é jornalista