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Bolsonaro destrói o orgulho nacional (por Mary Zaidan)

Presidente alega a procedência comunista para rechaçar vacina CoronaVac

Por Mary Zaidan
Atualizado em 18 nov 2020, 19h47 - Publicado em 25 out 2020, 09h00

Em 1966, o decreto 59.153 do marechal Castello Branco, primeiro presidente militar pós-golpe, estabelecia a Campanha de Erradicação da Varíola, com vacinação em massa para 100% dos brasileiros. Após cinco anos o país já havia se livrado da doença, com erradicação reconhecida e aplaudida pela OMS em 1980. Uma revolução que só foi possível graças a cientistas da União Soviética. No auge da guerra fria.

A rixa entre os Estados Unidos x URSS não impediu que os militares brasileiros, aliados de primeira hora do Tio Sam, utilizassem a tecnologia dos comunistas – um processo de secagem e drenagem do imunizante que, segundo relatos históricos da Fiocruz, possibilitava transportá-lo sem refrigeração e, assim, chegar aos locais mais distantes e quase inacessíveis do país.

Mais de meio século depois, o presidente Jair Bolsonaro alega a procedência comunista para rechaçar a CoronaVac, imunizante contra a Covid-19 desenvolvido pela chinesa Sinovac Biotech com o centenário Instituto Butantan.

Para Bolsonaro, que autorizou seu ministro da Saúde a firmar protocolo pró-vacina com o Butantan para depois voltar atrás e escorraçá-lo, a CoronaVac carrega duas condições insuperáveis: é da China, país vermelho odiado por seus radicais de carteirinha, e do governador de São Paulo João Doria, odiado por ele.

Somam-se aí características típicas do presidente – birra, picuinha, pequenez. E outras de fundo: leviandade e autoritarismo. Sempre cevado por uma trupe de sabujos que a ele presta obediência cega. Um cerco de idólatras que o blinda de ver o que ele deveria ver e que prefere não ver.

Movido pelo instinto eleitoral que só o deixa enxergar 2022 à frente, Bolsonaro pode ter errado no cálculo.

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Enquanto a politização da vacina se limitava ao debate extemporâneo sobre a obrigatoriedade ou não de aplicá-la, o embate entre ele e Doria se dava no mesmo plano, com ambos tentando tirar proveito da pandemia.

Tudo mudou com o recuo tresloucado ao aporte de recursos para a CoronaVac.

Bolsonaro deu a Doria, de bandeja, vantagens que nem em sonho o governador acalentava. A começar pelo batismo “vacina do Doria” que o presidente, com todo o seu ódio, fez viralizar. Ato contínuo, deixou claríssimo, até para os que resistem em crer, que eliminar um futuro adversário é mais importante do que zelar pela saúde dos brasileiros, 89% deles ansiosos por uma vacina.

O destrambelho dos últimos dias reacendeu a revolta de governadores e fez com que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, há dias afastado do combate direto com o presidente, saísse em defesa de Doria. Ao vivo e em cores, em entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes, com direito a chamar o governador de “amigo e aliado”.

Agitou também o Supremo. Nada menos de sete representações partidárias – seis contra e apenas uma em favor do presidente – foram apresentadas na sexta-feira. Cobram do governo responsabilidade vacinal e fixação de um calendário de imunização, além do cumprimento da lei que o próprio Bolsonaro assinou em fevereiro, pela qual as autoridades têm o poder de realizar vacinação compulsória ( Lei 13.979 de 6/2/2020, Art. 3º, Inciso III, alínea d.).

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Criou ainda mais uma desnecessária indisposição com os chineses, já fartos com o amém do governo brasileiro às pressões dos Estados Unidos, com chances de surtirem efeito na participação da Huawei no leilão da tecnologia 5G. Uma gracinha para um Donald Trump em fim de mandato que agride o maior parceiro comercial do Brasil.

São mais de U$ 121 bilhões de produtos brasileiros exportados para China, valor três vezes e meia maior do que para os norte-americanos, perfazendo um saldo de U$ 30 bilhões na balança comercial. Vendemos soja e minérios, importamos computadores, celulares, tecnologia e quinquilharias. Insumos fármacos e… vacinas.

Goste ou não o presidente, a mesma chinesa Sinovac está no Brasil com imunizantes contra H1N1 e hepatites. É um dos vários laboratórios internacionais que, associados à expertise das gigantes Fiocruz e Butantan, permitem ao país ter cobertura vacinal decente – que já foi invejável.

Mas até esse orgulho nacional Bolsonaro faz questão de destruir.

 

Mary Zaidan é jornalista

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