
Aquele que nunca mentiu, atire a primeira palavra. E não me venham com eufemismos de mentira piedosa, mentira social, mentirinha para evitar um colapso matrimonial e outras do ramo.
Na política, Maquiavel inventou as razões de Estado (ou coisa parecida); o notável Max Weber fez uma distinção genial entre a ética da convicção (a mentira não se justifica) e a ética da responsabilidade (a mentira eventual da autoridade evita danos enormes e, neste caso, passado o risco, volta a imperar a verdade e a transparência como valores Republicanos).
No plano das relações sociais, a mentira rola solta. Tem o mentiroso profissional, megalômano, que não se confunde com o vigarista, a audiência atenta lhe basta. E tem o mentiroso chinfrim com quem convivi em Vitória de Santo Antão e no Bairro da Torre.
O de Vitória criava e gostava de briga de canário, seu Zé Marques. Numa visita meu pai me levou e provocou: – Ô Zé Marques cadê aquele canário campeão, abarrancado, ganhava toda aposta. – Doutor, disse, com o ar compungido, era valente, forte, invencível. Um dia não dei cabo dele, perguntei ao menino que toma conta dos meus bichos, ele me disse: o danado fugiu com a gaiola.
O da Torre, Zedeque (o escrivão não sabia escrever Melquezedeque), era oficial de justiça e não dispensava o paletó e a gravata. Foi visitar a avó conhecida no bairro pelos exageros. – Zedeque, meu filho, acabei de passar um café, quentinho, toma – O café tava tâo quente, mas tão quente que chamuscou o nó da gravata, contou sem pestanejar.
Agora, a mentira ganhou o mundo com a globalização e a revolução digital. O nome é chique: Fake News. Ela mente subitamente, amplamente, mortalmente: fabrica a pós-verdade, aproximando a delinquência da liberdade de expressão. Exige profissionais qualificados, de nerds a “engenheiros do caos”, que usam um tal de algoritmo, network, design, chips e bisbilhotam tudo. George Orwell cantou a pedra. E quando cola, lascou, Maria Antonieta nunca mandou o povo comer brioche. O print da Fake marca para eternidade.
No Brasil, a fera/Fake tem que ser domesticada pela geração analógica/máquina de escrever. É quem entende de mentira na política. Nada mais Fake do que uma campanha eleitoral. Os novatos já entenderam a pós-verdade e usaram a sedução das redes sociais. O teatro político vai exigir atores cada vez mais maquiados, impulsionados e carregados pelo novo cabo eleitoral: o robô.
Gustavo Krause foi ministro da Fazenda