A crise de Itararé (a que não houve) e a dúvida existencial da oposição
Oposição, centrão e governo
Semanas atrás, a agitação em torno da anunciada instabilidade, talvez terminal, do governo Jair Bolsonaro trouxe um ânimo para a oposição. Que andava meio entorpecida (natural, nas circunstâncias) e recebeu uma lufada de ar naquele 15 de maio. Baixada a poeira, a realidade se impôs: tudo continua mais ou menos do jeito que estava.
A oposição tem um longo caminho pela frente, pois a hegemonia da direita leva jeito de ser menos provisória do que poderia parecer no pós-eleição. E os atritos intestinos no governo e no bloco político nascido da longa crise (aí sim, a palavra cabe) de 2013-18 são, como a diz palavra, internos. Os personagens em luta pelo poder são uma turma só.
Algum governista está tão infeliz que apoiaria a volta do PT, ou algum satélite? Se você não vive no mundo da lua, e por isso respondeu negativamente, pode concluir fácil que as melancias estão chacoalhando e se ajeitando na carroceria do caminhão situacionista mas ele não está perto de capotar. E nunca esteve. Mais uma batalha de Itararé.
A raiz da agitação está num fato e numa constatação. O fato: a eleição do ano passado teve um vencedor, o bolsonarismo, um perdedor, o petismo, e os dizimados, o chamado centro liberal e a social-democracia não propriamente de esquerda. A constatação: a relativa instabilidade deve-se a que os dizimados querem mandar nos vencedores.
Mas isso só seria viável se os dizimados aceitassem juntar com os derrotados numa frente ampla para emparedar o governo. E o que exatamente têm a oferecer à esquerda, além da agenda do progressismo liberal? A liberdade de Lula? Mais oxigênio (recursos) para os sindicatos? A volta da reforma agrária? Mais orçamento para os pobres?
Difícil. O dito centro está aprisionado pela direita pois as diferenças entre ambos não estão no que fazer. Estão no jeito de fazer. O pedaço da elite econômica e política que torce o nariz para Bolsonaro não tem alternativa à agenda dele. Daí que, enquanto o apocalipse era anunciado, o Congresso voltava a andar, e sintonizado.
Então tudo são flores para o governismo? Não. Ele tem seu encontro marcado com a crescente turbulência política se a economia e os empregos não reagirem. Mas isso ainda leva algum tempo. E quando mais o Congresso enrolar na reforma da previdência mais o presidente poderá dizer que a situação só não melhora por causa dos políticos.
Sim, a tática tem limite, pois governos são eleitos para resolver, e não para explicar por que não resolveram.
E a esquerda? Tem um problema, uma oportunidade e uma dúvida. O problema é o isolamento social. A oportunidade é a onda antiestablishment, quem sabe?, abrir possibilidades para o “novo de esquerda”, pois a direita está no poder. A dúvida? Se dá prioridade a alternativas eleitorais próprias ou se apoia dissidências do outro lado.
A resposta a essa última questão vai depender principalmente de que programa a esquerda vai levar às campanhas eleitorais do próximo ano e de 2022. Se optar por uma plataforma liberal-progressista, termo que a Ciência Política vem usando, será quase automático que não consiga se distinguir do tal centro, e será natural o apoio a terceiros.
Mas se preferir um caminho mais raiz, explorando a polarização social e o custo do ajuste austeroliberal, a esquerda precisará construir dentro de seu campo alternativas eleitorais. Algumas viáveis, algumas destinadas a preparar o terreno para dali a dois anos. Quando enfrentará ou Bolsonaro ou um bolsonarismo recauchutado para agradar aos salões.
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Os Estados Unidos do livre-comércio distribuem sanções e sobretaxas a torto e a direito, como cura para todos os males. E esta semana China e Rússia saíram em defesa da “globalização de face humana”. O mundo não está para principiantes.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político/FSB Comunicação
https://pt.wikipedia.org/wiki/alon_feuerwerker