Apesar de ainda estarmos a mais de dois anos das eleições presidenciais, o tema da sucessão é recorrente. Tanto pelo cenário de polarização aguda das narrativas políticas quanto pela tentativa das forças políticas tradicionais de se reorganizarem ante o bolsonarismo.
Mesmo com a elevada tensão política, o horizonte eleitoral parece estreito. Dificilmente algum nome novo, salvo fato extraordinário, além dos que estão sendo cogitados, deve se apresentar de forma competitiva em 2022. Fazendo uma analogia com a Fórmula 1, temos três equipes fortes. A primeira delas é a do governo, tendo à frente Jair Bolsonaro. Sua situação de favorito é alavancada pelas expectativas econômicas, por sua força nas redes sociais e pelo controle da máquina federal. Bolsonaro só não será competitivo se cometer erros demais. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, postulante em potencial do universo bolsonarista, está amarrado ao destino do presidente. Apenas uma grave crise entre eles poderia levá-lo a assumir a candidatura. O centro dispõe de duas personalidades com visibilidade: Luciano Huck e o governador de São Paulo, João Doria. Um tem popularidade; o outro tem a administração estadual nas mãos. São dois nomes fortes como pré-candidatos, porém, como disse o grande mestre Didi, “treino é treino, jogo é jogo”.
“O andamento da economia, mesmo não se revelando espetacular, trabalha a favor do bolsonarismo”
No universo da esquerda existe um espectro de fragmentação em três vertentes: o ex-presidente Lula, do PT; o ex-ministro Ciro Gomes (PDT); e alguma surpresa no campo do PCdoB ou do PSOL. Lula é candidato, mas depende de uma improvável anulação de sentenças contra ele na Justiça. E, sem o ex-presidente no páreo, a hegemonia do PT para liderar as esquerdas fica comprometida. Ciro, cada vez mais agressivo, tenta ser o anti-Bolsonaro. Precisará, contudo, de mais estrutura psicológica e política e menos verborragia para se tornar competitivo. As surpresas no campo da esquerda podem sair da chamada “nova geração”, na qual se destacam os governadores Flávio Dino (PCdoB-MA) e Rui Costa (PT-BA). Mas ambos carecem de densidade e de narrativas de âmbito nacional.
Analisando-se esses três campos de organização política, o único candidato competitivo e com lugar garantido na disputa, salvo evento extraordinário, é Bolsonaro. Os demais ainda são especulações. Em comparação à eleição passada, o cardápio de surpresas dos próximos anos mostra-se limitado. O andamento da economia, mesmo não se revelando espetacular, trabalha a favor do bolsonarismo. Os riscos judiciais do governo parecem pequenos, mesmo com o incômodo do caso Queiroz.
A cena eleitoral em 2018 decorreu de fatores inéditos, como a Operação Lava-Jato e o desastre provocado pela gestão Dilma Rousseff (PT). As surpresas para 2022 parecem depender de fatos extraordinários, que ainda nem estão no radar. Outro fator que limita o surgimento de nomes inesperados é a escassez de narrativas diante da dualidade do confronto “bolsonarismo X lulismo”. Resta saber se tais narrativas não se esgotarão até 2022, o que abriria espaço para novidades. Assim, quem tem a intenção de surpreender nas próximas eleições presidenciais deve criar uma narrativa convincente, que ainda não existe.
Publicado em VEJA de 11 de março de 2020, edição nº 2677