Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

Murillo de Aragão Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Murillo de Aragão
Continua após publicidade

O inevitável mal-estar da política

Narrativas radicais e falsas expectativas geram esse sentimento

Por Murillo de Aragão 6 fev 2022, 08h00

A política causa mal-estar. Por isso, para muitos, ela é desprezível. O mal-estar na política se confirma pela elevada desaprovação dos políticos entre a população, o que tende a se amplificar com a divulgação de narrativas antipolíticas por parte de quem não está no poder.

Identificamos, pelo menos, dois polos na questão: o cidadão insatisfeito e o oposicionista que deseja o lugar de quem está no poder. Entre os cidadãos, as origens desse mal-estar relacionam-se a três aspectos fundamentais: as elevadas expectativas que nutrimos em nossa vida; a incapacidade da sociedade e do Estado de atender a elas; e a transferência a outros de nossa responsabilidade por nossas escolhas e eventuais fracassos.

Nos dias de hoje, uma elevada expectativa é posta como fato consumado já ao nascermos, pois a Constituição nos assegura diversos direitos. Por exemplo, direito à educação, à saúde, ao trabalho, à Previdência Social, ao lazer, à segurança, à proteção à maternidade, à infância e a desamparados. Contudo a maioria desses direitos não é efetivamente garantida pelo Estado.

Em sua mordaz e pertinente crítica à Carta Magna de 1988, o economista Roberto Campos menciona que “a palavra ‘produtividade’ só aparece uma vez no texto constitucional; as palavras ‘usuário’ e ‘eficiência’ figuram duas vezes; fala-se em garantias 44 vezes e, em direitos, 76 vezes, enquanto a palavra “deveres” é mencionada apenas quatro vezes.”

Continua após a publicidade

“A maioria dos direitos assegurados pela Constituição não é garantida pelo Estado”

Assim, cria-se uma expectativa impossível de ser alcançada, já que a Constituição estabeleceu metas sem a devida preocupação de indicar os meios para que a sociedade se torne suficientemente produtiva a ponto de poder financiar o Welfare State imaginado. O resultado é a frustração.

O mal-estar também decorre da tendência do ser humano de terceirizar a responsabilidade diante do próprio fracasso ou das próprias pretensões não concretizadas. Sem responsabilidades sobre nossas expectativas, é cômodo transferir a outros a culpa por eventuais derrotas. Uma sociedade injusta e desigual como a nossa transforma essa tendência humana em algo quase inevitável. Como disse Jean-Paul Sartre, “o inferno são os outros”.

Continua após a publicidade

Nesse ponto, cabe uma analogia com o questionamento de Freud sobre a cultura: seríamos mais felizes se desistíssemos da política e retornássemos às condições primitivas? Creio que não. Primeiro, porque, mesmo que a humanidade recomeçasse do zero, a política faria parte dessa reconstrução. A política existiria em qualquer estágio da humanidade por causa das relações que se estabelecem entre famílias, clãs, tribos e nações. Segundo, porque ainda não foi inventado nada melhor que o processo político para mediar conflitos, criar instituições e reduzir os riscos inerentes à convivência entre seres humanos.

A inevitabilidade da política nos leva à conclusão de que o mal-estar causado por ela também é inevitável, já que resta impraticável atender às expectativas formalizadas na Constituição em um ambiente de elevada desigualdade como o nosso. De acordo com o filósofo Mario Sergio Cortella, somos “seres de insatisfação”. Sobretudo em meio a narrativas antipolíticas e radicais alimentadas por quem deseja ou quer conservar o poder. De nossa parte, como seres de insatisfação, continuaremos a desejar muito e a nos responsabilizar pouco por nossas escolhas e seus resultados.

Publicado em VEJA de 9 de fevereiro de 2022, edição nº 2775

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.