Vivam os cubanos livres!
Origem de Ted Cruz e Marco Rubio mostra sucesso da imigração que trabalha
Antes de se dedicar em tempo integral a odiar Donald Trump, grande parte da mídia americana se dedicava a odiar Ted Cruz. Sobrava um pouquinho para outro aspirante à candidatura presidencial pelo Partido Republicano, Marco Rubio, e muito da mesma empulhação dedicada ao rival: ambos são de famílias de origem cubana, mas no fundo, no fundo, mas não são “hispânicos”, a classificação inventada nos Estados Unidos para englobar pessoas provenientes de países latino-americanos. Como se sabe, latinos têm que ter pele morena e votar no Partido Democrata.
Os dois podem se preparar para mais desse estereótipo odioso. Ted Cruz ganhou a primária inicial em Iowa – surpresa, surpresa, defenderam-se os institutos de pesquisa – e Marco Rubio passou na frente dele – segundo os mesmos suspeitos -, ocupando agora o segundo lugar nas preferências dos republicanos de New Hampshire. Trump está disparado à frente, mas com viés de baixa. Depois do truque maquiavélico que usou contra Cruz, acusando-o de “roubar” em Iowa, o que o levou de novo a dominar a agenda, Rubio pode entrar na linha de fogo. Trump deve estar tirando mais coisas da sua caixa de maldades, fora chamá-lo de menino bonzinho (“Agora tome seu leitinho e coma os biscoitos. Hora de nanar”, dizia uma de suas tuitadas perversas).
Como todos os estereótipos têm um fundo de verdade, os americanos de origem cubana são realmente diferentes de muitos outros latinos, fora as diversidades de formação nacional, do mesmo tipo das que deixariam um argentino louco de raiva se fosse colocado na mesma categoria que os brasileiros. A diáspora cubana se origina, em massa, da revolução castrista – embora os pais de Rubio tenham saído bem jovens, antes da queda do regime anterior, para nunca mais voltar; o pai de Cruz também deixou Cuba na transição da vitória dos barbudos, com cem dólares costurados na roupa de baixo.
Como refugiados políticos, os cubanos da era castrista tinham mais facilidade para regulamentar sua situação e só ficavam com lágrimas nos olhos de raiva quando viam uma estampa de Che Guevara. Existem cerca de dois milhões de pessoas de origem cubana nos Estados Unidos, contra 35 milhões com raízes mexicanas. Até geograficamente os dois grupos pouco se misturaram. Uma das exceções é Las Vegas, a cidade dos cassinos, onde Rubio morou quando era pequeno. Depois, foi para a Flórida.
O pai de Rubio trabalhava como barman e a mãe como faxineira, o que o qualifica a exaltar, até com um certo excesso de insistência, as maravilhas do sonho americano Rubio tem 44 anos e é casado com uma loiríssima filha de colombianos, que foi cheerleader na primeira juventude. Fala espanhol com total fluência, ao contrário de Ted Cruz, que nasceu no Canadá, numa região sem imigração latino-americana. O pai dele, Rafael Bienvenido Cruz, lavava pratos para bancar a faculdade de matemática no Texas. Com a segunda mulher, americana de origem irlandesa, formada em programação de computadores, abriu no Canadá uma empresa de análises sismológicas para prestar serviços ao setor petrolífero.
Cruz pai ficou furioso quando o filho, Rafael Edward, decidiu abandonar o apelido Felito (rimava com Cheetos, Doritos e outros motivos de provocação infantil) e adotar o diminutivo para seu nome do meio. Em 1975, Cruz pai deu uma guinada enorme a vida ao deixar o catolicismo e se tornar evangélico. Ele foi pastor de uma igreja de Dallas chamada Ministérios do Fogo Divino, referência à passagem bíblica em que Deus se manifesta como fogo a chamado do profeta Elias, para desautorizar os adoradores de Baal. Ele segue uma corrente chamada dominionista, partidária de colocar “homens de fé” em posições públicas. Foi a grande participação de eleitores evangélicos que alimentou a vitória de Ted Cruz em Iowa, ao contrário do que diziam as excepcionalmente enganosas pesquisas.
Retratado na mídia anti-conservadora como um brucutu ignorante, atém de falso latino, Ted Cruz estudou em Harvard e Princeton e se especializou em casos levados à Suprema Corte. Seguindo a dica de Trump, muitos jornalistas também passaram a dizer que, como senador, ele se especializou em”fazer inimigos e influenciar pessoas”. Ele tem, sim, um amigo no Senado, Mike Lee, e um relacionamento distante com Marco Rubio.
Cruz e Trump são vistos pelo eleitorado republicano como os candidatos “contra o sistema” e derivam muito de seu apoio daí. Numa campanha excepcionalmente cheia de surpresas, Rubio aparece agora como o candidato do consenso, que em teoria seria menos rejeitado pelos grandes segmentos da opinião pública fora da seita anti-Washington que um republicano precisaria conquistar para ser eleito presidente. Mas antes, Rubio precisaria passar pelo fogo “amigo” – e no mundo político não existe inimigo maior do que nas fileiras conjuntas – de Trump e Cruz, uma dobradinha infernal.
Na hipótese de Trump se desclassificar durante as primárias (vídeo comprometedor ou bomba atômica), os Estados Unidos teriam um cubano-americano como candidato a presidente. Além da ansiedade dos irmãos Castro de Cuba, outros irmãos de sobrenome idêntico devem estar na maior expectativa. Os gêmeos Joaquín e Julián Castro, figuras ascendentes no Partido Democrata, ouvem sinos celestiais quando pensam que um dos dois poderia ser candidato a vice-presidente em chapa com Hillary Clinton. Eles são de origem mexicana e já entrariam na disputa com certificado de sangue latino. Também seriam outro atestado do sucesso garantido pelo sistema americano aos descendentes de imigrantes que estudam e trabalham. Sem contar o espetáculo que seria ver Hillary Clinton dançando La Bamba.