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Reação xiita: sensação de abandono e teorias conspiratórias sobre Irã

Enquanto Israel consegue feitos impressionantes, libaneses partidários do Hezbollah, muitos desabrigados, acham que foram traídos

Por Vilma Gryzinski 1 out 2024, 13h08

Vai o Irã atacar Israel em outro bombardeio “cantado”, o envio de mísseis e drones que inevitavelmente acabarão derrubados?

É possível que sim, nem que seja apenas para salvar a imagem, não parecer dominado ou até conivente, segundo teorias conspiracionistas que correm em ruas do Líbano.

Há xiitas convencidos de que foram traídos pelo Irã, que “entregou” Hassan Nasrallah e resolveu ficar de fora do atual conflito em troca da promessa de Israel, intermediada pelos Estados Unidos, de não atacar suas instalações nucleares.

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É, obviamente, uma insanidade. Mas reflete a sensação de abandono de muitos xiitas. O jornal britânico The Telegraph ouviu isso de pessoas vindas do sul do Líbano, refugiadas em Beirute. “Se o Irã quisesse ajudar, já teria feito isso há muito tempo”, disse a dona de casa Hana Mrad, que está dormindo no carro com as duas filhas.

“Todo mundo nos abandonou e, agora, o Irã também”.

GRANDE IRMÃO

Outro entrevistado, que não quis divulgar o nome:”O Irã sacrificou Nasrallah, é a única explicação. O Irã organizou a reunião onde Nasrallah foi morto e disse a Israel onde ele estaria. De que outro jeito Israel saberia onde ele estava e por que o Irã está se recusando a lutar com o Hezbollah?”.

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As declarações refletem uma profunda ingenuidade sobre os objetivos e os planos estratégicos do regime iraniano – ele próprio dividido sobre a reação à dizimação da liderança do Hezbollah e, agora, à invasão por terra, uma operação descrita como limitada, mas com altíssimo risco de conflagração geral.

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Qualquer coisa menos que um ataque iraniano em grande escala será subestimado pelos libaneses convencidos ao longo de décadas que o grande irmão iraniano faria tudo por eles.

A morte de Nasrallah foi um choque para a maioria dos xiitas, criados no extremo culto à personalidade que caracteriza esse ramo minoritário da religião muçulmana, no qual pregadores e comandantes militares são escolhidos e instruídos para emanar carisma e capacidade de mobilização das massas.

DESPREZO PERSA

Assassino cruel, inclusive participante de brutais operações terroristas contra americanos, franceses e argentinos, estes atingidos em seu próprio território, como no atentado contra a associação judaica de Buenos Aires de 1994, com 85 mortos, ele era para muitos xiitas um said, um grande chefe religioso e político, capaz de eludir durante anos o longo braço de Israel.

O Hezbollah foi praticamente uma criação iraniana, explorando a situação de inferioridade dos xiitas no Líbano. Em troca, o Irã dos aiatolás, foco irradiador do xiismo, recebia admiração, respeito e gratidão, sentimentos profundamente abalados agora.

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Em duas semanas, desde que Israel desfechou a operação com os pagers explosivos, seguidos de ataques catastróficos para a liderança do Hezbollah e agora a operação por terra, o sentimento de orgulho e identidade com o Irã vem sendo corroído. A ideia de que o Irã comandaria ataques devastadores contra Israel parece ser mais fruto da expressão de desejos.

Também reafloram sentimentos ancestrais de que o Irã, herdeiro do império persa, trata os árabes com desprezo e superioridade.

MOSSAD EM TODA PARTE

O próprio Irã não está isento do conspiracionismo, muito ao contrário. O ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, sempre desprezado como inculto pelos aiatolás e proibido de se recandidataR na última eleição, é um desses conspiracionistas.

Em entrevista à CNN da Turquia, ele desenvolveu uma teoria das boas: o próprio chefe da unidade encarregada de investigar infiltrações israelenses no serviço secreto era um agente do Mossad, juntamente com mais vinte colegas.

A eles, afirmou, se devem grandes feitos israelenses como a operação para tirar dos cofres mais secretos os documentos onde o projeto de armas nucleares iranianas estava explícito e assassinatos de cientistas atômicos.

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Ahmadinejad é um populista boquirroto cheio de ressentimentos por ter sido tirado da política, mas é fato que Israel infiltrou a espionagem iraniana. O ápice chegou com a explosão de uma bomba debaixo da cama que matou o líder do Hamas no exterior Ismail Hanyieh. O atentado foi num dos lugares mais protegidos do país, uma casa para hóspedes importantes em Teerã, operada pela Guarda da Revolução Islâmica.

Hanyieh estava em Teerã para a posse do novo presidente, ocasião em que dividiu a primeira fila de convidados com o vice-presidente Geraldo Alckmin.

LÓGICA DO SUFOCAMENTO

A extraordinária reunião de líderes terroristas, com representantes também da Jihad Islâmica Palestina e do Hezbollah, não teve um final auspicioso. Além da explosão do representante do Hamas, o atentado espalhou, justificadamente, suspeitas de extrema infiltração israelense. Ahmadinejad pode ter seu lado delirante, mas o Mossad consegue efetivamente operar no país através de terceiros e retirá-los antes que sejam identificados, torturados e mortos.

O regime teocrático, que tem como figura máxima o aiatolá Ali Khamenei, de 85 anos, atualmente abrigado num bunker, é um operador estratégico de respeito. A criação do anel de fogo em torno de Israel, envolvendo Hamas, Hezbollah, palestinos militantes da Cisjordânia, milícias da Síria e do Iraque, além dos hutis que dominam a maior parte do Iêmen, é uma operação bem planejada e sofisticada.

As manobras de Israel no Líbano romperam espetacularmente com a lógica do sufocamento progressivo.

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O Irã reagirã, como avisaram os Estados Unidos? Com toda certeza. Vai atacar Israel diretamente? Já fez isso em 13 de abril e deu humilhantemente errado. Tem outros instrumentos de reação? Sem dúvida.

Mas para os libaneses xiitas, temporariamente sem ter onde morar, a grande operação iraniana que desceria do céu e arrasaria Israel é um sinal de abandono e, na versão mais extremada, de cumplicidade.

As Forças de Defesa de Israel, aproveitando o vento a favor, revelaram que comandos de elite já haviam entrado no Líbano, muito antes do anúncio oficial, para desarticular uma força de 2,4 mil integrantes da unidade Radwan, do Hezbollah, mais 500 homens armados da Jihad Islâmica Palestina, que atacaria em território israelense pelo norte, replicando as atrocidades do Hamas pelo sul em 7 de outubro.

PEÇA DO MECANISMO

Seria um golpe espetacular contra Israel, que precisa combater simultaneamente os operadores diretos das agressões e seus mentores iranianos.

É uma guerra permanente da qual os conflitos atuais são apenas capítulos excepcionalmente agudos. Não há solução nenhuma para ela, exceto da hipótese, ainda altamente improvável, de uma mudança de regime no Irã.

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Os libaneses xiitas estão descobrindo agora que são apenas uma peça desse mecanismo, talvez até descartável. Mudará esse entendimento com um ataque iraniano “combinado”, feito para salvar a honra, mas não infligir danos reais? Ou estará o regime teocrático disposto a arriscar muito mais em troca da vingança?

Detallhe final: com todo o dinheiro que recebeu do Irã, o Hezbollah não construiu um único abrigo para civis, como os que se espalham por Israel e salvam vidas. Isso torna os libaneses do sul desabrigados num momento de emergência como o atual, sem nenhum esquema, como o de Israel para acolher desalojados por ataques. O retorno dos 63 mil israelenses abrigados em áreas mais seguras às suas casas, próximas da fronteira com o Líbano, é o objetivo da atual invasão por terra.

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