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Por Vilma Gryzinski
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Provocação religiosa: a igreja de 1.500 anos que vai virar mesquita

Todo mundo sabe o que Erdogan quer, o poder vitalício e a reislamização da Turquia, e a mão grande sobre a fabulosa Santa Sofia equivale a estelionato

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 13 jul 2020, 10h20 - Publicado em 13 jul 2020, 08h43

“A igreja é excepcionalmente cheia de luz muitos diriam que não é iluminada pelo sol vindo de fora, mas que os raios são produzidos dentro dela”, descreveu o historiador Procopius, contemporâneo da prodigiosa – e rápida – construção de Hagia Sofia, como é chamada em grego.

“É impossível descrever a quantidade de ouro, prata e pedras preciosas ofertadas pelo imperador Justiniano.”

“Na parte da igreja onde só os padres podem entrar, chamada Santuário, contém quarenta mil libras de prata.”

Cinco séculos depois da construção da basílica, ainda sem rivais em todo o mundo, dois emissários russos a Constantinopla descreveram para o czar Vladimir I:

“Não sabíamos se estávamos no Céu ou na Terra. E não sabemos como distinguir um do outro.”

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O objetivo de Justiniano I, o imperador que encomendou a seus construtores que erguessem uma visão do Paraíso, estava plenamente cumprido.

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Maciça e pesada do lado de fora, como uma fortificação militar, Hagia Sofia consegue não ser cavernosa por dentro, onde a luz descrita por Procopius parece sustentar no ar a cúpula monumental, só superada em tamanho quase mil anos depois pela Basílica de São Pedro.

No maior cisma de todos, a cristandade já havia rachado, com a Igreja católica romana de um lado, com São Pedro sendo erguida como centro, e a ortodoxa grega de outro, com Hagia Sofia com seu onfalo de mármore no chão representando literalmente o umbigo do mundo.

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Uma nova força se levantava, alimentando outra etapa da conquista islâmica, a dos turcos otomanos. E em 1453 aconteceu o impossível: Constantinopla caiu e com ela todo o império bizantino, com um milênio e meio de história.

Com 21 anos, o sultão Mehmed entrou na basílica, passando pelos moradores apavorados. Deu garantias de vida aos vencidos e começou a instaurar a nova ordem.

A cidade mudou de nome, para Istambul, e Hagia Sofia foi transformada em mesquita. Grandes painéis foram colocados no interior, com os nomes de Alá e Maomé – o Islã proíbe a reprodução de figuras humanas e animais – , e quatro minaretes passaram a circundar a basílica.

É isso que o “sultão” Recep Tayyp Erdogan está fazendo, sem as circunstâncias históricas de 500 anos atrás e com o mau gosto das edificações erguidas sob seu comando, como um palácio presidencial com mais de 1.000 aposentos.

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Por mais desconforto que a “conversão” de Hagia Sofia provoque, especialmente na Grécia que passou 500 anos sob o domínio otomano, o gesto é dirigido aos muçulmanos mais ortodoxos, tanto internamente quanto em outros países perante os quais Erdogan aspira passar como novo emir do Islã.

Em outras palavras: ele quer aprovação popular dos turcos e prestígio entre outros países muçulmanos.

Erdogan é um político hábil, capaz de ter uma visão de longo prazo e de planejar seus passos com cabeça fria. Além, obviamente, de descer o chicote, nem sempre metafórico, nos oposicionistas.

Para chegar ao poder, do qual não pretende sair, explorou os sentimentos da população praticante, oposta ao secularismo oficial que marcou a criação da Turquia moderna e seguiu até o começo do segundo milênio- exatamente o período em que Hagia Sofia foi transformada em museu, a partir de 1934.

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Ele sabe muito bem que a Grécia, que continua a ter o patriarcado ortodoxo em Istambul, pode espernear e pedir sanções, o papa Francisco pode se declarar “condoído” e os Estados Unidos podem condenar de alguma maneira a mudança. 

E mais nada. A igreja erguida para celebrar a Divina (ou Santa) Sabedoria de Cristo – não uma santa Sofia, que existe, mas não é venerada lá – já estará reconvertida em mesquita.

A manobra agressiva de Erdogan também é dirigida à oposição que lamenta a reislamização do pais e sonha com uma volta ao sistema laico, implantado a ferro e fogo por Kamal Ataturk, o criador do país, menor e mais fraco, que se seguiu à queda do império otomano.

Ao proibir manifestações religiosas nas instituições de Estados, inclusive o uso do lenço na cabeça para as mulheres, ele modernizou a Turquia, mas também criou ressentimentos e oposição silenciosa que, muitas décadas depois, desaguaram na ascensão de Erdogan.

Ataturk, o pai dos turcos, criou também um culto à própria personalidade e continua a projetar uma sombra enorme sobre o país.

Erdogan quer apagar definitivamente esta sombra e projetar seu próprio nome como o comandante dos fiéis, o líder que conquista o apoio de todos os muçulmanos e os reunifica.

Não tem cacife para isso, mas vai continuar tentando.

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Hagia Sofia, a basílica que reproduzia uma visão do paraíso, hoje quase totalmente despida do esplendor dos ornamentos bizantinos, já viu dois impérios cair.

Os poderosos passam, ela continua.

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