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O que os americanos acham do aborto e novo furacão na Suprema Corte

Reação a documento vazado, mostrando rascunho de resolução contra o aborto, mostra como a questão não está resolvida, mesmo meio século depois

Por Vilma Gryzinski 4 Maio 2022, 07h21

Quem é contra o aborto, ocupa um terreno ético difícil de contestar: interromper uma vida em formação dentro do corpo de uma mulher é atentar contra a própria vida em seu momento mais vulnerável. Os que são a favor, inclinam-se mais para o pragmatismo: a mulher tem o direito de decidir o que acontece em seu corpo e, de qualquer maneira, sempre tentará todos os recursos contra uma gravidez indesejada.

Como há bons argumentos em favor dos dois lados, a questão do aborto oscila ao sabor dos tempos – e põe fogo nos Estados Unidos, como acontece agora com o vazamento de um documento da Suprema Corte mostrando que pelo menos cinco dos nove juízes já se manifestaram pela inconstitucionalidade da famosa decisão de 1973, conhecida pelos americanos como Roe X Wade (ou Fulana de Tal contra o procurador geral do Texas, Henry Wade).

Na decisão que não poderia ter sido trazida a público, mas foi passada ao site Politico com óbvia intenção de tumultuar sua votação, o relator Samuel Alito fala em “flagrante inconstitucionalidade” da Roe X Wade e que decisões assim devem ser tomadas pelos representantes eleitos do povo, em cada estado, não por juízes da Suprema Corte.

A liberação do aborto de fato foi uma espécie de gambiarra: os juízes que a aprovaram invocaram o direito à privacidade, garantido pelo décimo quarto artigo da Constituição, para impedir o Estado de interferir numa decisão tomada por uma mulher e seu médico. 

A própria trajetória da protagonista, Norma McCorvey – a Fulana de Tal -, tem reviravoltas dramáticas. Vinda de uma família profundamente instável, ela começou a furtar e usar drogas quando ainda era criança. Aceitou mentir que havia engravidado por causa de um estupro para que seu caso chegasse à instância mais alta. Quando saiu a decisão, anos depois, já tinha dado à luz e entregado a filha a adoção – foram três, ao todo, nas mesmas circunstâncias.

Norma tornou-se evangélica e depois católica, passando a integrar campanhas contra o aborto. Dizia que sua relação com uma companheira de muitos anos havia se tornado platônica. Pouco antes de morrer, teria confessado que a guinada fora motivada por interesse econômico, mas o padre que a confessou durante mais de vinte anos disse que ela sofria de um intenso e real arrependimento.

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Segundo pesquisas frequentemente feitas sobre o tema, 59% dos americanos acham que o aborto deveria ser legal em todos ou determinados estágios de desenvolvimento fetal e 47% acham que é moralmente justificável É claro que as opiniões seguem o espectro político: 78% contra entre conservadores e 89% a favor entre liberais.

Por volta de 70% são a favor de que a Roe v. Wade seja mantida.

As circunstâncias do aborto: 87% de há risco de vida para a mulher, 84% em caso de estupro ou incesto 74% se a criança tem doença potencialmente fatal.  61% são a favor durante o primeiro trimestre, 34% no segundo e 19% no terceiro.

Em termos religiosos, a maior oposição vem de evangélicos brancos: 77% acham que o aborto deveria ser ilegal. Nas outras religiões, inclusive a católica à qual Joe Biden diz pertencer, existe maioria favorável ao aborto.

Como a autonomia dos estados americanos é muito maior do que no Brasil, onde já existe um razoável grau de independência, o aborto de alguma maneira já é regulado pelos representantes eleitos, como pregar o juiz Alito. Existem restrições de teelmpo em 41 dos 50 estados e legislações mais restritivas em 13 deles. A mais criativa é do estado do Texas. Usando um recurso para que não possa ser acusada de inconstitucional, ela proíbe a interrupção a partir do momento em que o coração do feto em formação pode ser ouvido. Ou seja, por volta de seis semanas de gravidez. Como a interrupção da menstruação só é observada no prazo de um mês, sobra uma “janela” de apenas duas semanas. A lei também permite que qualquer cidadão ganhe 10 mil dólares se comprovada sua denúncia de que alguém está fazendo um aborto ou comandando a intervenção fora do período permitido.

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A maioria das pessoas não se enquadra nem nos que rezam diante das clínicas de aborto nem nas jovens que declaram  em vídeos do TikTok sua “alegria” por fazer o procedimento.

O vazamento, sem precedentes, do rascunho do juiz Alito cria um clima de suspeição entre os integrantes da mais alta instância jurídica e tem um óbvio objetivo político. À medida em que se espalha um certo pânico entre dirigentes democratas, assustados com a impopularidade de Joe Biden e com a possibilidade de perder a maioria na Câmara na eleição de novembro para o legislativo, fica mais vantajoso aparecer como defensor do direito ao aborto e mobilizar fatias de um eleitorado que nem se daria ao trabalho de votar.

Como não existe uma resposta única que resolva todas as questões, fora dos métodos anticoncepcionais de ampla adesão e sem efeitos colaterais, os choques de opinião continuarão acontecendo.

Para terminar: Shelley Lynn Thornton, a filha que Norma McCorvey queria abortar e acabou dando para adoção, tem hoje 51 anos e três filhos. Ela diz que não é contra nem a favor do aborto, mas optou por não fazer a interrupção quando engravidou pela primeira vez, aos 20 anos. Um ano antes, tinha ficado sabendo por repórteres de um tabloide quem era sua mãe biológica. Nunca a procurou, embora tenham falado uma vez por telefone.

“Ela não merecia me encontrar. Nunca fez nada na vida para ter esse privilégio. Não lamentava ter me dado”.

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A vida é complicada e a questão do aborto não facilita em nada para quem busca respostas sólidas.

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