“O que Hitler fez foi brincadeira”: a heroína cultivada por palestinos
Ahed Tamimi ilustra uma das muitas camadas de problemas que Israel tem com populações árabes sob seu controle – sem falar em Gaza

A jovem Ahed Tamimi é uma mistura de princesa Mérida e Greta Thunberg, linda com sua cacheada cabeleira ruiva e criada pelos pais para defender uma causa com os maiores extremismos. Ganhou fama aos 16 anos por esbofetear um soldado israelense quase tão jovem quanto ela e muito controlado – não reagiu à agressão.
Foi detida e condenada. Saiu da experiência como heroína para os “árabes de 67”, designação para a população palestina que vive em variados graus de controle de Israel desde que suas terras foram tomadas na reação israelense à guerra desfechada por países vizinhos.
Muitos meios noticiaram que, agora, ela foi detida de novo por “incitação ao terrorismo” – assim, entre aspas, para indicar alguma coisa entre uma falsa acusação e perseguição política.
Vejamos o que disse Ahed: “Nossa mensagem aos colonos é que estamos esperando por vocês em todas as cidades da Cisjordânia. De Hebron a Jenin, vamos exterminá-los e vocês dirão que o que Hitler fez com vocês foi brincadeira. Vamos beber seu sangue e devorar seus crânios”.
Não é exatamente uma linguagem aceitável no discurso político civilizado. Com o lugar especial que a beleza e o extremismo criaram para ela, Ahed Tamimi ilustra uma das várias camadas de problemas internos que Israel administra. São três milhões de pessoas que, na maioria esmagadora, odeiam Israel com a mesma intensidade da jovem ruiva. Explosões de protestos e atentados terroristas aumentam quando a impossível convivência entra em surto, como acontece atualmente.
Fora essa população palestina da Cisjordânia, existem ainda os “árabes de 48”, cerca de dois milhões de pessoas que descendem da população palestina que ficou em território israelense propriamente dito depois da guerra da independência e da fuga em massa dos que esperavam recuperar o país todo em questão de semanas. Todos são cidadãos israelenses, com plenos direitos – e uma convivência que pode ir do muito bom, como no caso dos drusos integrados às forças de segurança, ao bastante ruim.
Uma reportagem do Wall Street Journal divulga uma pesquisa da Universidade Hebraica mostrando que 77% da população árabe-israelense condena as atrocidades praticadas pelo Hamas na invasão de 7 de outubro a comunidades fronteiriças a Gaza e somente 5% apoiam os ataques.
Ao mesmo tempo, no clima extremamente emocional que o massacre desencadeou em Israel há um mês, muitos desses cidadãos árabes se sentem discriminados ou até perseguidos, com casos de demissão ou suspensão de escolas. O jornal esquerdista Haaaretz fala em “caça às bruxas sistemática”. É um exagero, mas a tensão é evidente.
Uma deputada pelo partido islamista Raam, Iman Khatib-Yasin – sim, existe isso no parlamento israelense – chegou a ser ameaçada de expulsão do partido por dizer que os horripilantes vídeos compilados pelos militares para expor as atrocidades cometidas em 7 de outubro não mostram algumas das barbáries mais nauseantes.
“Eles não mataram bebês e não estupraram mulheres, pelo menos não no vídeo. Se isso aconteceu, é vergonhoso”, disse a deputada. Depois, ela se desculpou e disse que cometeu um erro. “Não tinha intenção de minimizar ou negar o horrível massacre de 7 de outubro ou os terríveis atos contra mulheres, bebês e idosos.”
O vídeo foi o mesmo mostrado primeiro a correspondentes estrangeiros em Israel, depois a jornalistas em Nova York e São Paulo. Ele também foi exibido aos deputados israelenses, judeus e árabes. O líder do partido islamista, Mansour Abbas, chorou ao ver as cenas de matança mais horríveis do que qualquer filme de terror.
Tradicionalmente, os deputados árabes israelenses eram de esquerda, muitos ligados ao Partido Comunista. A tendência islamista é relativamente recente – e surpreendente também. Mansour Abbas (nada a ver com o presidente da Autoridade Palestina) foi ministro e integrou o governo chefiado por Naftali Bennett, num daqueles prodígios de equilibrismo ideológico que o sistema parlamentarista propicia.
Este governo durou pouco e foi substituído pela atual coalizão comandada por Benjamin Netanyahu, com partidos extremistas como o do ministro do Patrimônio, Amichai Eliyahu, que durante uma entrevista concordou que “era um caminho” jogar uma bomba nuclear em Gaza.
É exatamente o tipo de loucura que Netanyahu, fortemente pressionado pelos Estados Unidos a uma “pausa humanitária”, enquanto no campo de batalha as forças israelenses avançam para o importante objetivo de fechar o cerco sobre a Cidade de Gaza, não precisa no momento.
Eliyahu foi suspenso das reuniões do ministério – que, de qualquer maneira, não estão acontecendo, com todos os esforços concentrados no gabinete de emergência que toca a guerra e a diplomacia, duas frentes igualmente importantes.
O avanço em Gaza, que ainda tem uma enorme quantidade de etapas pela frente, antecipa outro problema de arrepiar: o que fazer com a população do território depois que, segundo a missão declarada de Israel, o Hamas for eliminado como força militar e administrativa.
Netanyahu disse ontem que Israel vai assumir “a responsabilidade geral pela segurança de Gaza por um período indefinido”. Ou seja, dois milhões de habitantes para controlar. Ao todo, Israel teria sob seu comando, somando-se todas as diferentes categorias, quase sete milhões de árabes palestinos, a mesma quantidade de habitantes judeus.
São camadas muito diferentes, mas certamente em todas elas existem os que cultuam extremistas como Ahid Tamimi.