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O que é estupro? A terrível pergunta do caso Harvey Weinstein

O júri tem que responder por que o poderoso produtor era um abusador em série, mas mulheres que ele atacava mantinham contato e até tom afetuoso

Por Vilma Gryzinski 18 fev 2020, 08h31

Hervey Weinstein cometeu atos execráveis – nojentos, constantes, inúmeros e, dada sua posição como produtor de filmes premiados, com muitas das mulheres mais belas do mundo.

Durante seu julgamento, aumentou a natural reação de repugnância que provoca em quem conhece sua história – e quem pode ignorá-la? –, encenando diante das câmeras ser um idoso frágil, arrastando-se com um andador.

Mas a decisão dos onze jurados, que a partir de hoje discutirão se ele é culpado ou inocente de cinco crimes de estupro e agressão sexual, não tem a clareza moral cristalina que se espera de um caso assim.

O julgamento envolve duas mulheres, a assistente de produção Mimi Haleyi e a cabeleireira e ex-aspirante a atriz Jessica Mann.

São praticamente desconhecidas em comparação com a lista de famosas que relataram avanços, tentativas e outros comportamentos indevidos de Weinstein. Ao todo, foram 90 mulheres, incluindo Salma Hayek, Gwynetth Paltrow e Angelina Jolie.

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Muitos casos prescreveram ou não configuram crimes com embasamento suficiente para chegar aos tribunais.

Mas os dois que restaram bastam para ser explorados, com habilidade, pela defesa de Weinstein, chefiada, como é obrigatório, por uma mulher, a implacável Donna Rotunno – contestar a credibilidade de outras mulheres em casos sexuais é praticamente vetado a advogados homens.

Coberta de grifes da cabeça aos pés – sem falar nos implantes mamários – no estilo advogada poderosa, Donna Rotunno desempenhou com prazer o papel de vilã que defende com gana de buldogue o direito constitucional de todo e qualquer acusado ao contraditório.

Deu um show. Assustador, mas show assim mesmo.

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Seu principal argumento: as mulheres que denunciaram abusos sabiam o que estavam fazendo, escolheram livremente entrar em quartos de hotel e até banheiros com um homem com a fama de Harvey Weinstein. Queriam uma chance no cinema, convites para o Oscar, cultivar um dos produtores mais poderosos de Hollywood.

Mais ainda: mesmo depois de atacadas, continuaram em contato íntimo com o abusador.

A linda Jessica Mann , que teve crises de choro e ataque de pânico durante o depoimento, admitiu ter tido uma relação consensual depois de ser estuprada num quarto de hotel em Nova York, em 2013.

Só terminou o caso em 2016. Chegou a comentar com uma amiga que Weinstein era sua “alma gêmea espiritual”.

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“Estou com saudade, grandão”, dizia numa das centenas de mensagens enviadas por email. Em outra, pede que conheça a mãe dela. Mais uma: “Eu te amo e sempre vou amar. Mas odeio ser apenas uma transa de ocasião”.

Mimi Haleyi disse que foi jogada na cama quando discutia um trabalho com Weinstein e obrigada a receber sexo oral.

Tentou se livrar dizendo que estava menstruada, mas o produtor arrancou seu tampão com os dentes (um dos vários detalhes quase insuportavelmente constrangedores ouvidos durante os depoimentos; outros referem-se aos órgãos sexuais deformados do acusado, inclusive com ausência de testículos; desenhos feitos por peritos circularam entre os jurados).

Mesmo assim, a assistente de produção manteve contato voluntário durante anos com o repugnante produtor. Durante anos, recebeu hospedagem em hotéis, passagens para Los Angeles e Londres, como tantas outras amantes ocasionais dele.

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“Lots of love”, despediu-se num de seus emails a ele. Muito amor. Uma mulher estuprada faz isso?

“Ela o estava usando para conseguir trabalho”, apunhalou Donna Rotunno. Agora, continuou, espera uma indenização das boas e pegou como a mais famosa advogada de casos similares, Gloria Allred.

Mais brutal ainda foi o ataque da advogada de defesa contra uma das mulheres autorizadas pelo juiz a prestar depoimento, mesmo que seu caso esteja fora do julgamento.

Annabella Sciorra “lembrou-se” de ter sido estuprada por Weinstein, apunhalou Rotunno, porque era uma atriz já relegada ao esquecimento, sem carreira nem dinheiro.

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Ao falar a Ronan Farrow, ele próprio a celebridade que deu o furo de reportagem sobre o escândalo, que tinha sido estuprada por Weinstein em seu apartamento, voltou ao circuito das grandes agências e se tornou uma figura admirada do movimento MeToo.

A argumentação da acusação levou em conta as complexidades do ser humano: uma mulher pode ser atacada ou estuprada e continuar em contato até amistoso como o abusador que ocupe uma posição excepcional de poder, uma descrição perfeita de Weinstein.

Vários especialistas imparciais acham que é uma argumentação fraca, principalmente diante das reviravoltas comandada pela defesa, demonstrando o comportamento incomum, quando não interesseiro, das acusadoras.

“Acreditem nas mulheres” é o mantra feminista para casos em que, no passado, a credibilidade de acusadoras de abuso sexual era vilmente contestada.

A defesa de Harvey Weinsten conseguiu mostrar que, num mundo em que tantas mulheres são brutalizadas de maneira tão cruel, e mesmo com um réu que provoca rejeição tão universal quanto ele, não basta acreditar, é preciso provar, um princípio universal do direito.

O que dirão os jurados?

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