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O escândalo das calcinhas e o impulso da esquerda parlamentar na França

Renúncia da deputada que comprava roupas com verba pública é problema para Macron e dá força a mais para o líder esquerdista Mélenchon

Por Vilma Gryzinski 9 Maio 2022, 07h46

Articulada, jovem e bonita, a deputada Coralie Dubost era vice-líder do partido de Emmanuel Macron, República em Marcha, e uma boa operadora para a eleição parlamentar de junho, universalmente chamada de “terceiro turno”, diante da possibilidade de que o governo perca a maioria e o presidente enfrente a humilhação da coabitação.

“Ouvi maus conselhos e fui burra, não sou golpista”,  penitenciou-se a deputada pela região de Hérault ao ser obrigada a renunciar diante das provas, levantadas pelo site Mediapart,  de que ela apresentava notas de despesas exorbitantes com roupas. 

Em outubro de 2018, por exemplo, gastou 3 300 euros – umas seis vezes a mais em reais. Em lojas que vendem calcinhas e sutiãs, foram 400 euros. Como são marcas populares, na média dos 20 euros a peça, dá um bocado de lingerie.

É claro que houve despesas em restaurantes de praia onde a hipótese de reuniões de trabalho parece extremamente remota – mudam as nacionalidades, os vícios permanecem os mesmos.

Mal Coralie renunciou e já apareceu o nome de outra deputada do partido de Macron, Patricia Mirralès, com mais notas de despesas “mirabolantes”, incluindo 1198,80 euros para a recuperação do disco rígido do computador da filha, Ela também apresentou despesas com roupas da Zara, a rede popular onde mandou um assessor fazer compras.

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São fatos episódicos, mas que acontecem num momento altamente vulnerável para Macron. Depois de ser reeleito, com uma bela marca de quase 59% dos votos, ele precisa fazer um tremendo esforço para não virar um presidente decorativo.

A França tem um sistema político misto, com presidente forte e primeiro-ministro. Mal dá para notar quando o partido do presidente tem maioria, como acontece atualmente. O primeiro-ministro é apenas uma espécie de executivo chefe. Cumpre as decisões descidas do Olimpo onde Júpiter domina todo o poder – a referência mitológica virou lugar comum desde que Macron usou a analogia para descrever seu estilo de governo.

Quando a oposição faz maioria na Assembleia Legislativa e ganha o direito de nomear o chefe de governo, o primeiro-ministro vira uma figura importantíssima, com um programa divergente da política do presidente.

Imaginem um governo em que Jair Bolsonaro fosse o presidente e Lula o primeiro-ministro. Ou vice-versa. É esse tipo de coabitação que pode virar um casamento de conveniência celebrado no sétimo círculo do inferno.

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E o primeiro-ministro em potencial é um sujeito com todos os defeitos do populismo de esquerda. Jean-Luc Mélenchon ficou no primeiro turno apenas 400 mil votos – ou 1% – atrás de Marine Le Pen.

Na posição de liderança, outros partidos de esquerda, inclusive o dizimado Partido Socialista, aceitaram, como bons carneirinhos, fazer uma frente de esquerda com a França Insubmissa de Mélenchon.

Todo mundo sabe que não existem inimigos mais ferozes do que esquerdistas de diferentes tendências, mas Mélenchon tem o dom de tirar o pior das pessoas e das ideias.

O pior, para socialistas tradicionais – na verdade, social-democratas com um toque francês – é o euroceticismo de Mélenchon. Sem falar em suas simpatias por Vladimir Putin. E para não mencionar promessas autodestrutivas como um congelamento geral dos preços dos produtos de primeira necessidade. 

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Ou alucinações como dizer que a epidemia de obesidade será combatida pagando bem aos agricultores para que “cultivem produtos de boa qualidade sem pesticidas” – uma garantia de que faltaria comida na mesa dos franceses.

Quanto mais Mélenchon, filho de espanhóis nascido no Marrocos, se exibe para um público apaixonado com declarações irresponsáveis, mais é aplaudido. Quando evoca o anticapitalismo, o público delira. Dizer que enfrentará a inflação “sem recorrer aos mecanismos da economia de mercado” é considerado profético.

Como um populista latino-americano, ele é capaz de falar durante horas, de improviso. Algumas coisas fazem sentido, como evocar o nível de pobreza de “quarto mundo” em determinadas camadas da sociedade francesa.

Embora seja triste pensar que a França, com uma nobre linhagem de líderes esquerdistas,  produziu um político desse nível, Mélenchon tem os votos e um momento favorável: a inflação que corrói o padrão de vida é uma parteira histórica de salvadores da pátria.

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Macron sabe que tem um estilo elitista e que muitos franceses, à esquerda e à direita, sentem ojeriza por ele.

Para abrandar a imagem de riquinho prodígio, já deixou de usar o relógio Cartier (modelo Tank) e mudou de alfaiate (abandonou a chiquérrima maison Cifonelli, onde um terno sob medida começa em 5 500 euros).

Agora, está mudando o nome do partido: a República em Marcha virou Renascimento.

Quando foi eleito pela primeira vez, conseguiu um feito maior ainda com a maioria parlamentar conquistada por um partido criado literalmente do nada. Há pesquisas indicando que ele deve conservar a maioria, mesmo com uma esquerda unida, pelo menos em parte, e com uma direita que agora avança no território parlamentar, o que nunca foi o forte de Marine Le Pen e seus seguidores.

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Tudo o que não precisa é de deputadas com despesas absurdas como no “escândalo das calcinhas”. A percepção é vital e, hoje, 37% dos franceses acham que Jean-Luc Mélenchon e a esquerda unida representam mais a oposição a Macron do que Marine Le Pen (33%).

Na França, até a direita é de esquerda e Marine Le Pen defendeu durante a campanha presidencial posições que não ficariam nada estranhas na boca de Mélenchon, principalmente no que toca ao Estado interventor e ao protecionismo.

“É nos momentos mais difíceis que a França mostra o seu melhor”, disse Macron ao prestar juramento para o segundo mandato, no sábado, ao som de Handel.

Pandemia, guerra na Ucrânia e preços inflacionados são brincadeira perto do que seria um governo chefiado por Jean-Luc Mélenchon.

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