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Por Vilma Gryzinski
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Liberdade de tapar a cara e outras encrencas da democracia

Países livres podem proibir o pano que cobre o rosto das muçulmanas? Os donos das redes sociais escolhem quem censurar? Mentir e ofender faz parte?

Por Vilma Gryzinski 7 ago 2018, 19h06

Todas as conquistas da humanidade são impermanentes. Quem acha que tudo está resolvido, especialmente no campo da liberdade de expressão, pode se preparar para muitas desilusões.

Algumas das questões quentes do momento envolvem contradições em quantidade suficiente para estontear quem gosta de respostas simples para perguntas difíceis.

Um exemplo: o poder dos donos das redes sociais e dos mecanismos de busca – chamados, com razão, de Senhores do Universo – de bloquear participantes que consideram proibidões.

Outro: a proscrição de escritores e poetas, expulsos do topo do cânone literário para o fundo do poço de grandes universidades, por representarem ideias que hoje são consideradas politicamente incorretas.

Ou, muitas vezes, nem isso. Terem sido homens, brancos e luminares da civilização ocidental já basta para entrar na lista negra.

Rudyard Kipling, autor de maravilhosas histórias sobre o complexo universo animal e suas relações com o bicho homem, além da visão do mundo do filho de um militar do império britânico nascido na Índia, foi recentemente apagado de um painel na Universidade de Manchester.

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Jogaram o pai de Mogli aos lobos. No lugar dele, entrou Maya Angelou, como se um precisasse excluir o outro – na verdade, a poeta americana negra é ensinada e exaltada em todas as escolas do universo civilizado.

Curiosamente, as esquerdas de forma geral, autoproclamadas defensoras das liberdades e do direito de expressão, principalmente dos oprimidos, hoje estão na vanguarda da supressão.

Exceto nos casos que envolvem qualquer coisa referente à religião muçulmana. Práticas bárbaras, que sequer são parte dos mandamentos islâmicos, como a mutilação genital das meninas, chegam a ser defendidas como manifestações culturais a ser respeitadas.

Incompatível

O uso da burka é um exemplo clássico: a esquerda, em geral, é a favor, usando como argumento a liberdade de escolha das mulheres. A direita, mas não toda, e muito menos a corrente libertária, é contra.

Burka é a expressão que se consolidou depois que se disseminaram pelo mundo as imagens do Afeganistão e suas mulheres inteiramente cobertas. O único outro país onde isso é dominante é a Arábia Saudita, agora em processo de relativa abertura

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O nome do véu que cobre todo o rosto, apenas com uma fresta para os olhos, usado por uma pequena quantidade de muçulmanas em países europeus é nikab.

Proibido na França, na Bélgica e no cantão suíço de Tecino, o nikab também foi banido na Dinamarca, um dos países mais liberais do mundo. Houve um incidente numa cidade do interior, uma mulher de nikab disse que outra puxou o véu dela e a polícia acabou envolvida.

A mulher acabou multada em 1 000 coroas dinamarquesas, uns 150 dólares.

Por que países de altíssimo índice de respeito pelas liberdades individuais interferem nos trajes femininos usados por motivos religiosos?

“É incompatível com os valores da sociedade dinamarquesa e desrespeitoso com a comunidade cobrir o rosto em espaços públicos”, disse o ministro da Justiça, Soren Papen Poulsen.

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Na França, o argumento é que os princípios laicos da república excluem a exibição de símbolos religiosos ostensivos.

Evidentemente, é tudo conversa. Cobrir todo o rosto, uma prática inexistente na Europa há poucas décadas, é a manifestação feminina do fundamentalismo muçulmano renascido.

Equivale a uma declaração pública de rejeição aos países onde as comunidades ultrarreligiosas se desenvolvem de forma intencionalmente separada de todo o resto.

E por que uma comunidade religiosa não pode viver de forma separada, seguindo seus próprios costumes, mesmo ou principalmente quando se chocam com os da maioria, desde que não desemboquem no terrorismo sectário?

Nos Estados Unidos, por exemplo, proibir qualquer traje seria inconcebível com base na garantia constitucional às liberdades fundamentais. No Reino Unido, é possível andar por ruas inteiras de cidades como Londres e Manchester sem ver uma mulher “descoberta”.

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‘Caixas de correio”

O princípio de que todo mundo pode fazer o que quer, contanto que ninguém seja prejudicado, um resumo dos conceitos liberais defendidos por John Stuart Mill, foi defendido por Boris Johnson no caso da Dinamarca.

Comparando as cenas de dinamarqueses nadando pelados no porto de Copenhague no escaldante verão europeu com a aparentemente contraditória proibição, o ex-prefeito de Londres e ex-chanceler escreveu que ninguém deveria ter o direito de “dizer a uma mulher livre e adulta o que ela pode ou não usar num lugar público quando ela está simplesmente cuidando da própria vida”.

Como ele está louco para ser primeiro-ministro, assim que o Partido Conservador conseguir livrar do carma de Theresa May, fez gracinha e disse que as mulheres cobertas da cabeça aos pés ficam parecendo caixas de correio e assaltantes de banco – uma grosseria deliberadamente dirigida ao público que não suporta ver manifestações de radicalismo muçulmano.

O presidente do Partido Conservador, Brandon Lewis, exigiu que Boris se desculpasse. Theresa May disse que também considerava suas palavras ofensivas. Boris, evidentemente, adorou tudo isso.

As palavras dele são uma brincadeira de criança comparadas à violência birutinha de Sarah Jeong, a mais recente contratada do New York Times.

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Originária da Coreia do Sul e beneficiaria de altíssimo padrão de educação nos Estados Unidos, ela se descreve como “mulher de cor” e tem um histórico de declarações furiosas contra “pessoas brancas” – o tipo de coisa que deve cair bem nos centros acadêmicos, mas pega mal quando quem diz se alça a uma plataforma de enorme destaque como o Times.

Sarah Jeong não tem o direito consagrado pela Primeira Emenda da Constituição americana de falar barbaridades? Absolutamente.

O mesmo direito se estende ao mais recente mártir da liberdade de expressão, Alex Jones. Criador de um site onde se abrigam as mais extremas teorias conspiracionistas, ele foi banido, de uma baciada só, de Facebook, YouTube, Spotify e Apple Podcasts.

Maluco espertalhão

Jones criou um negócio extraordinariamente bem-sucedido baseado em denunciar conspirações sinistras em tudo, desde o Onze de Setembro (uma suspeição originária da esquerda e dominante na maioria dos países muçulmanos) até os trágicos tiroteios em que crianças e jovens são mortos em escolas.

Tudo faz parte de uma trama para promover o controle cada vez maior dos órgãos permanentes do estado e tirar as armas do bom povo americano.

É maluquice e até perversidade, no caso de criancinhas mortas que são apresentadas como “atores contratados”? Absolutamente.

É crime? Só a Justiça pode definir – até hoje, isso não aconteceu.

Deve ser censurado nas redes sociais? Aí a coisa se complica. Empresas particulares podem definir as regras de participação. Mas as regras têm que valer para todos, sob risco de desmoralização.

Se um maluco espertalhão de extrema-direita é censurado por causa de suas ideias, não é difícil ver que um de extrema-esquerda também pode acabar submetido aos mesmos controles.

Como todos os Senhores do Universo são alinhados com o lado mais liberal, isso absolutamente não deve acontecer.

Mas, depois de Alex Jones, quem será o próximo?

O mundo não anda nada parecido com o mais famoso poema de Kipling e seus conselhos de estoico autocontrole.

“Se és capaz de esperar sem te desesperares/ Ou, enganado, não mentir ao mentiroso/ Ou, sendo odiado, sempre ao ódio de esquivares/ E não parecer bom demais, nem pretensioso.” Etc etc etc.

Vai dizer isso no Twitter.

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