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“KABUM”: a antológica reação ucraniana à saída russa da Ilha das Cobras

Acreditar que vai ganhar já é meio - ou mais - caminho andado para a vitória e, com todas as recentes perdas, Ucrânia confia na sua causa

Por Vilma Gryzinski 1 jul 2022, 08h15

Os gregos chamavam de hubris, os judeus chamam de chutzpah. São palavras que tentam definir atitudes de desafio e audácia que muitas vezes vão contra a realidade – ou o humano sentimento de que é melhor não desafiar o destino.

Colocados na situação impossível de ser atacados pela potência com o maior arsenal nuclear do planeta, os ucranianos estão se mostrando especialistas em não obedecer ao senso comum.

Um exemplo da semana foi dado por Andri Iermak, produtor de cinema que Volodymyr Zelensky levou para o governo depois de ser eleito presidente com base em suas sátiras como comediante.

Por ser do mundo do show business, Iermak entende a linguagem contemporânea, como mostrou seu  tuíte sobre a saída das tropas russas que ocupavam a Ilha das Cobras, um lugar minúsculo mas de enorme importância simbólica – e também estratégica, pois fica exatamente no acesso a Odessa, a cidade portuária que a Rússia tem que tomar para “fechar” seu domínio do Mar Negro.

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“KABUM! Acabaram-se as tropas russas na Ilha das Cobras. Nossas Forças Armadas fizeram um grande trabalho. Mais notícias kabum em breve”, escreveu ele no tuíte antológico.

Tem que ter – ou fingir que tem – muita autoconfiança para dizer isso num momento em que as forças invasoras estão praticamente instaladas na região separatista do Donbas, depois de tomar duas cidades importantes, consolidando assim uma importante vitória estratégica para Vladimir Putin.

A tática da Rússia foi dizer que saiu voluntariamente da ilha, num “gesto de boa vontade”.

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A ilha ganhou enormes proporções como símbolo da resistência ucraniana quando a pequena guarnição que a defendia foi avisada por um navio de guerra russo que era melhor se render diante de um adversário tão poderoso.

A resposta já entrou para os anais da história, virou pôster e selo dos correios, mostrando um soldado de costas, com o dedo médio num gesto nada elegante, mas compatível com as palavras: “Navio de guerra russo, vá se danar”.

A palavra exata, todo mundo sabe, foi bem menos publicável, mas resumiu formidavelmente o espírito da coisa.

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E esse espírito é o que torna a resistência ucraniana tão extraordinária e admirada. Como estão numa luta existencial contra um adversário muito mais forte, os ucranianos acreditam que não somente conseguem enfrentar a máquina de guerra russa – poderosa, apesar de várias demonstrações que beiram o patético – como inverterão o rumo da invasão.

Uma pesquisa do Wall Street Journal mostrou a disposição nacional: nada menos que 89% dos ucranianos são contra concessões territoriais que permitiriam um acordo de paz.

“Permitiriam” aí é altamente especulativo. Os ucranianos estão convencidos que Putin quer tomar o país inteiro e destruir a identidade nacional, Incorporando-o como província subalterna.

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Têm razões muito boas para acreditar nisso. Putin quer ser um novo Pedro, o Grande, um construtor da glória da mãe Rússia e está disposto a pagar um preço alto – em vidas de seus próprios soldados. A facilidade com que manda generais e outros oficiais de alta patente para o front, com as consequentes baixas, é uma prova de que a vida dos outros tem pouco valor (até agora, em quatro meses e uma semana de guerra, foram onze generais e 317 oficiais com patente de major, tenente-coronel e coronel, um número completamente desproporcional aos resultados alcançados).

As perdas territoriais no Donbas e regiões adjacentes ao Mar Negro significam que os russos controlam 20% do território ucraniano, no qual se incluem o coração industrial do país e importantes áreas agrícolas. 

“Se continuar assim, será uma vitória, apesar de todos os percalços que eles sofreram no começo. E o papel da Otan não terá sido tão decisivo como se acreditava antes”, disse Henry Kissinger em entrevista ao Spectator.

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Kissinger despertou grande fúria quando defendeu uma troca de território por paz – opção que os ucranianos consideram inviável. Mas persiste em suas análises.

Negociar a partir daí é uma das três opções que Kissinger vê. A outra seria tentar expulsar a Rússia de todos os territórios que já estão sob seu controle, inclusive a Crimeia, tomada em 2014.

A terceira: negociações para que a Rússia volte às posições que tinha antes da guerra. A Ucrânia seria reconstituída nas fronteiras pós-2014, “rearmada e conectada intimamente com a Otan, se não parte dela”.

“A Otan sairá fortalecida com a entrada da Finlândia e da Suécia, criando a possibilidade de defesa dos Países Bálticos. A Ucrânia terá a maior força terrestre convencional da Europa ligada à Otan. A Rússia verá que o medo que paira sobre a Europa desde a II Guerra Mundial,  o de que um exército russo avance – um exército convencional avance sobre as fronteiras europeias estabelecidas -, pode ser evitado pela ação convencional da Otan. Pela primeira vez na história recente, a Rússia enfrentará a necessidade de coexistir com a Europa como entidade, em vez de ter os Estados Unidos como o principal elemento da defesa da Europa com suas forças nucleares”.

Detalhe vital: falta combinar com os russos. Kissinger fala como se Putin estivesse disposto a ceder, sem nenhum indício de que isso possa acontecer, fora palavras sem atos correspondentes, para manter os adversários na dúvida.

Confrontados com um exército invasor que aterroriza, tortura e mata civis, explode, hospitais, prédios de apartamentos e shopping centers, estupra e saqueia, os ucranianos, por enquanto ainda têm a força de espírito para dizer: “KABUM”.

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