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Divórcio do século: Catalunha e governo central vão a litígio

Madri endurece e catalães que querem a independência arranjam um motivo a mais para se passar por vítimas e atropelar o estado de direito

Por Vilma Gryzinski 20 set 2017, 18h19

Em que momento a ordem legal de um país pode ser desafiada? Numa democracia plenamente funcional, sem nenhuma crise existencial, com vigor pleno de todas as garantias cívicas, inclusive ou principalmente para as minorias, em nenhum.

É este princípio fundamental que contamina irreversivelmente o movimento pela independência da Catalunha, com todas as simpatias naturais despertadas pela ideia dos mais fracos lutando contra o mais forte.

No caso do governo catalão, disposto a tudo para fazer um referendo secessionista sem amparo legal, o mais fraco virou o mais forte há um bom tempo. É a minoria contra independência que está acuada e amedrontada, pelo menos no palco da narrativa dominante.

Mas séculos de vitimização, por motivos reais ou amplamente exagerados, implantaram profundamente a ideia de perseguições e injustiças.

Este sentimento está atingindo níveis perturbadores depois das ordens judiciais que penalizam as autoridades responsáveis pela organização do referendo do próximo dia 1 de outubro.

Cidadãos exaltados cantam o hino catalão, com paixão comovente e ao mesmo tempo perigosa, diante das instituições públicas onde a Guarda Civil, que equivale mais ou menos a uma polícia federal e judicial, entrou para desativar o aparato do referendo.

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A polícia local, os Mossos d’Escuadra, está totalmente afinada com o independentismo e não é difícil imaginar uma situação em que forças públicas obedecendo a hierarquias conflitantes entrem em choque.

Entre os órgãos sob intervenção, estão as secretarias, que já funcionam como ministérios, de Relações Exteriores, Trabalho e Interior. Também foram abertos inquéritos com prefeitos que estão colaborando na realização do referendo.

CONTA BLOQUEADA

Um sinal mais forte ainda de endurecimento foi a intervenção do Ministério da Fazenda nas contas da Catalunha. O governo catalão não pode mais mexer nos recursos públicos sob administração direta do governo central.

A conta foi literalmente bloqueada. Questão mais imediata: como serão pagos os funcionários públicos catalães?

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Para os independentistas, os regulamentos jurídicos que guiam estas intervenções não têm mais validade legal. O estado democrático de direito, portanto, está sendo jogado no lixo em nome do direito ao exercício à democracia direta, traduzida pelo referendo sobre a independência.

Quem tem mais razão? Os defensores de um divórcio litigioso, com base no voto livre de uma das partes, ou os que se sustentam na impossibilidade constitucional do divórcio em si, sob a forma de um referendo para quebrar a unidade territorial da Espanha, já rejeitado pela Suprema Corte?

“Na Catalunha, existe um golpe de estado de um regime neototalitário”, disse, na definição mais agressiva do referendo, Josep Borrelll, catalão, socialista e o ex-presidente do Parlamento Europeu. “É um golpe de estado sem tanques, que derruba uma ordem legítima para impor outra sem as garantias mínimas.”

NA MARRA

Na mesma linha, o El País, um pilar do esquerdismo esclarecido, publicou mais um editorial exasperado diante de uma situação irreversível. O referendo “é uma votação sem nenhuma garantia democrática, destinada a solapar os fundamentos do Estado e cujos promotores não hesitam em amedrontar, ameaçar e discriminar aqueles que não se mostram de acordo com eles”.

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Como os dados já foram jogados, não existe nenhuma solução intermediária para evitar o litígio. Os catalães vão para a independência na marra, mesmo que tantos sintam estar agindo na lei.

Criam assim um problema para si mesmos, para a Espanha e para a União Europeia. Exatamente num momento de mau alinhamento astral em que o governo conservador da Inglaterra pode implodir sob as pressões do Brexit.

É um problema da categoria dos que não precisavam existir, mas existem, movidos por pulsões que operam no campo mais emocional do que racional do nacionalismo e da narrativa da vitimização.

Os cerca de 50% da população que não querem a separação unilateral se calaram, com medo de passar por traidores, intimidados pelo domínio absoluto dos independentistas na cena pública, desde o parlamento regional até as grandes manifestações de rua. O que acontecerá no dia 2 de outubro, quando acordarem em outro país?

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