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Congelem todos: cidadezinha que inspirou Frozen não aguenta mais turistas

Idílico lugar alpino é a mais recente localidade que atrai um número desproporcional de viajantes, como Barcelona, Amsterdã e outras cidades famosas

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 13 Maio 2024, 21h24 - Publicado em 4 set 2023, 08h00

Como um lugar com 800 habitantes lida com 10 mil visitantes por dia? Fazendo protestos bem educados e reclamando providências. Ou até erguendo uma cerca para dissuadir os turistas a tirar a infame selfie para a qual todos querem posar.

É só ver qualquer foto de Hallstatt para entender por que a cidadezinha dos Alpes austríacos inspirou o reino gelado da princesa Elsa, a favorita de todas as meninas do planeta. E de seus pais também. E dos adolescentes que igualmente gostam de Frozen. Mais os que nem viram as animações da Disney, mas descobriram a beleza quase inacreditável da cidadezinha espremida entre a montanha e um lago translúcido, com absolutamente tudo no lugar certo. Exceto os turistas que não param de chegar.

“Chegamos a um ponto em que esgotamos nossas possibilidades. Só conseguimos administrar a metade do número de turistas que chegam aqui”, disse o prefeito Alexander Scheutz, um dos participantes do último protesto. “Limitamos o número de ônibus a 45 e temos vagas para 450 carros, mas atingimos rapidamente o número máximo”.

A pequena Hallstatt entra assim para a lista de grandes cidades que consideram não suportar mais a quantidade de turistas, inclusive Barcelona, Veneza e Amsterdã.

A mais bela do mundo, Veneza passou a cobrar “pedágio”, com preço dependendo da lotação. Amsterdã fez uma campanha no começo do ano, dirigida a um tipo específico de turistas: beberrões ingleses, com idade de 18 a 35 anos, andando em grupos que caem pelas ruas, envolvem-se em brigas e ganham a fama de os segundos mais indesejados do mundo depois que as sanções pela invasão da Ucrânia resolveram o problema dos que ocupavam o topo da lista.

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“Não venham”, dizia a campanha. A cidade também resolveu proibir o consumo de maconha nas ruas do bairro da luz vermelha — duas das principais atrações para os tais turistas indesejados, homens sozinhos ou em grupo boquiabertos com um tipo de prostituição que não existem no seus países. Aliás, a própria maconha liberada está sendo revista.

“Os moradores do centro histórico são perturbados estruturalmente e excessivamente pelas multidões”, disse a administração municipal na época.

O mesmo problema atormenta moradores das áreas da balada em Barcelona, praticamente sitiados em suas casas. A era Airbnb também criou as “hordas de rodinhas”, turistas que alugam apartamentos em bairros muito desejados e provocam um tráfego constante com sua malas de mão. Como é muito vantajoso financeiramente alugar apartamentos centrais, os moradores locais vão morar em bairros mais distantes, o comércio local acaba prejudicado e até creches e escolas fecham as portas porque o número de crianças diminui radicalmente. Os moradores que permanecem perdem qualidade de vida.

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Ver multidões no Louvre ou na Torre Eiffel faz parte do show de Paris, mas quando um lugar lindo como a Île Saint-Louis vira uma espécie de aldeia do Asterix, com os moradores transformados em resistentes, ouvindo dia e noite o barulho das rodinhas, alguma coisa está errada.

É claro que os turistas inconvenientes são sempre os outros. Nós somos os civilizados, que respeitam as regras e a cultura dos locais visitados e não vomitam pelos cantos.

Pois somos todos exatamente parte do mesmo problema: como manter a atividade que segura a economia de um grande centro histórico como Paris (15% da geração de renda vem dos 44 milhões de visitantes anuais) ou de uma invenção turística como Cancún (49%)? Como é possível um lugar relativamente pequeno e de natureza delicada, como as maravilhosas Ilhas Baleares, receber 1 500 voos diários no auge da temporada?

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O jornal El País registrou que as ilhas espanholas alcançaram agora em agosto o “imperfeito” equilíbrio de 1,1 milhão de habitantes para 1,1 milhão de visitantes. E uma parcela deles formada pelos tais “indesejáveis”, os ingleses arruaceiros que inventaram até uma prática chamada “balconing”. Consiste em pular da sacada do hotel para a piscina. Não pode, evidentemente, dar certo. Nem o deslocamento de policiais britânicos para dar uma força aos espanhóis segura os transbordamentos de euforia. Lugares inteiros da Espanha foram degradadas pelo turismo movido a bebida barata, com um bar grudado no outro e bebedeiras seriais.

Moradores de Palma de Mallorca inventaram algumas peças, como cartazes em inglês avisando sobre fictícios ataques de águas-vivas e desabamento de rochas em praias. Efeito nenhum, claro.

Viajar é uma das experiências humanas mais enriquecedoras: a renovação das paisagens exteriores também tem efeitos na nossa vida interior e promove a abertura a hábitos, estilos de vida e culturas diferentes. Ou nos dá motivo para criticar os locais, outra consequência irresistível do turismo. Mas não é nada agradável sentir que estamos provocando um desequilíbrio profundo nos lugares visitados — ou sendo explorados mais além da cota previsível em períodos de alta temporada, como num dos casos mais infames do mundo, o restaurante de Mikonos, a linda e movimentada ilha grega, onde um prato de ostras podem custar 25 euros (por crustáceo).

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Não fique num restaurante onde os cardápios não têm preços, cheque se as ofertas do Airbnb são dirigidas a diferentes nacionalidades para não se hospedar na “Inglaterra do Mediterrâneo” ou na “Ibiza teutônica”, sem nenhuma diversidade, e tente resistir a modismos como o desencadeado pela série White Lotus, que encheu Taormina, na Sicília, de visitantes de primeira viagem.

E saiba que até as narrativas podem ser distorcidas.

Por exemplo, a cidadezinha que realmente inspirou Frozen é Arendal, na Noruega, igualmente linda e mágica. Por que a austríaca Hallstatt passou a ocupar um lugar na imaginação dos turistas como o modelo original?

Muitos moradores talvez pensem simplesmente: por que Elsa não aparece na vida real e cerca tudo com muralhas de gelo?

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