Dinheiro e política, ambos em quantidades fenomenais, já eram suficientes para fazer da crise conjugal entre a princesa Haya da Jordânia e o xeque Mohammed Al Maktoum de Dubai um dos divórcios do século.
Novos elementos injetados no processo criam dimensões estonteantes.
Como era previsível, Maktoum pediu a guarda dos filhos levados juntos com a mãe, Jalila, de onze anos, e Zayd, de sete.
Pelos princípios muçulmanos, os filhos ficam com o pai, ainda mais se ele for o manda-chuva de um emirado forrado de petróleo.
A reação de Haya indicou que ela não pretende entregar os filhos de jeito nenhum. E vai arrancar sangue nessa briga.
Primeiro, Haya, que fugiu de Dubai, indo para a Alemanha para depois de instalar em seu palacete em Londres (presente de 100 milhões de dólares do marido, nos bons tempos), pediu uma ordem de proteção contra casamento forçado.
A única conclusão é que Maktoum já estava tratando do casamento precoce da filha Jalila, nem que fosse apenas para deixar tudo tratado para o futuro.
Os casamentos árabes são tradicionalmente arranjados entre famílias na maioria dos países. No caso de uma “família real”, uma designação algo exagerada, também selam alianças tribais para consolidação do poder. Maktoum tem 23 filhos e Haya foi sua sexta esposa – embora a mais visível, a que levava para compromissos e viagens ao exterior.
Não precisaria usar as crianças para reforçar mais ainda os laços entre as “tribos coroadas” dos sete emirados, mas imaginem a reação de um xeque árabe ao ser largado pela mulher num clima de enorme escândalo.
E num episódio que ainda por cima não pode ser abafado num mundo em que as redes sociais furam todas as censuras.
O segundo pedido de Haya ao juiz da família de Londres dá uma ideia da fúria do xeque abandonado. A princesa recebeu uma ordem de restrição, o instrumento legal usado nos casos em que há motivos para temer violência doméstica.
Mais combustível para as fofocas que já haviam começado a se espalhar depois da fuga: Haya era espancada pelo marido, além de maltratada por outras esposas e filhos mais velhos do xeque Maktoum por ser independente, aparecer o quanto podia em obras beneficentes típicas da realeza e não usar a cobertura negra total, da cabeça aos pés, incluindo o rosto, requerida pelos padrões estritos da religião muçulmana seguidos na Arábia Saudita e países do Golfo.
E mais: ela colaborou para limpar a barra do marido depois do estranho episódio envolvendo sua segunda filha fugitiva, Latifa, mas depois ficou horrorizada com o tratamento dado à enteada de 33 anos. Teria acontecido aí a ruptura.
‘Homem cruel’
As contrafofocas: a princesa jordaniana, criada em estilo comparativamente liberal, traiu o marido com um segurança britânico, funcionário da UK Mission Enterprise, a empresa que fornece proteção à família real de Dubai.
Foi pega em flagrante quando o xeque apareceu de repente em Londres. Havia uma camisinha usada e taças de vinho envolvidas.
Os seguranças da Mission Enterprise são todos espiões.
O dinheiro que ela roubou – 40 milhões de dólares – não bastou e a princesa quer mais. Aliás, é “louca por cavalos, sexo e dinheiro”.
Isso tudo vem de um site publicado no Paquistão de credibilidade, evidentemente, duvidosa, mas habilidade na mistura de fatos, fofocas e invenções.
Maktoum, segundo o site, “não apenas é um homem cruel como notório caçador de mulheres que paga qualquer coisa para trazer garotas do exterior”, especialmente as virgens. Engravidou duas “concubinas” filipinas.
As mulheres da família são prisioneiras dos palácios. Apenas Haya tinha liberdade de movimentos.
Essa parte pelo menos é comprovada pelos fatos. Haya foi uma esposa escolhida por Maktoum apesar dos problemas criados entre os conservadores religiosos pelo estilo ocidentalizado de vida da princesa jordaniana.
A rejeição era tanta que a festa, milionária, foi em Amã, não em Dubai.
Haya casou-se com o xeque quando já tinha 30 anos (ele, 25 a mais), e trajetória consolidada como amazona e promotora dos esportes e de boas causas.
A relação com o irmão, o rei Abdullah, não era exatamente fácil. Abdullah é filho do segundo casamento do rei Hussein, com a inglesa Antoinette Avril Gardiner – daí seus olhos azuis.
Hussein, outro conquistador notório, casou-se com a terceira mulher, Alia, mãe de Haya, imediatamente depois que saiu o divórcio de Antoinette, que adotou o nome de Muna ao se converter para o casamento.
Alia, que morreu num acidente de helicóptero quando Haya tinha três anos, era filha de palestinos, um componente importante na eternamente instável Jordânia. Metade da população jordaniana é formada por beduínos tribais e outra metade por palestinos, uma designação que nem existia, mas passou a existir, inclusive como identidade separada.
A Transjordânia, nome original, foi criada pelos ingleses como compensação pela aliança contra Turquia na época da I Guerra Mundial e pela perda de Meca, a cidade santa dos muçulmanos que durante séculos teve como xerife um herdeiro da dinastia hashemita.
O troca-troca acabou deixando sob domínio jordaniano outro lugar venerado, Jerusalém, Al Quds para os muçulmanos.
Depois de não só sobreviver ao ataque conjunto dos exércitos árabes como unificar Jerusalém sob seu poder, Israel manteve a custódia da mesquitas de Jerusalém a cargo da autoridade religiosa jordaniana.
Tudo o que a Jordânia nunca teve, ao contrário dos vizinhos bilionários, foi petróleo. Sempre dependeu da bondade de ingleses, americanos e, agora, sauditas e emirados árabes.
Silêncio é de ouro
Chegamos assim ao ponto em que a história de Haya, a princesa fugitiva, intersecta-se com a história do Oriente Médio e suas infinitas complicações.
A Jordânia depende da “mesada” dos Emirados Árabes Unidos, onde o xeque de Dubai é o mais poderoso.
Com o racha eterno da sua população, uma situação econômica periclitante, o trauma do pós-primavera árabe, a encrenca do Irã e a ressonância inevitável da situação dos palestinos dos territórios ocupados por Israel, sua estabilidade tem importância geopolítica desproporcional ao tamanho físico e financeiro.
Para complicar, o rei Abdullah tem se mostrado sensível à abertura – e aos milhões de dólares – do Catar, o país que bagunçou os alinhamentos do Golfo ao se aproximar do Irã, entre outras heterodoxias.
Não é um divórcio que vai afetar os interesses permanentes dos xeques dos emirados, mas os céus conhecem bem a fúria de um homem publicamente abandonado.
Mesmo sozinha em seu Palácio Verde, enfrentando um dos homens mais poderosos do mundo, Haya tem uma boa ideia dos elementos envolvidos.
É filha de rei, estudou em Oxford, transita desde pequena na família real britânica e nos círculos mais privilegiados do mundo árabe, sabe quem é aliado de quem e teve acesso a muitos segredos das Arábias.
O silêncio talvez seja sua carta mais importante. E a advogada, claro. A dela não é barata. Fiona Shackleton advogou em favor os dois filhos mais velhos da rainha, Charles e Andrew, quando se divorciaram.
Só para dar uma ideia: conseguiu um acordo em que a venerada princesa Diana ficou com meros 10 milhões de libras, uma miséria diante do patrimônio pessoal do príncipe herdeiro.
Fiona, que também representa os príncipes William e Harry em casos individuais, ganhou o título de baronesa.
No outro lado da “guerra das advogadas” está Helen Ward, outra fera dos divórcios milionários, contratada pelo xeque Maktoum.
Pelo menos ambas sabem que, depois que a raiva passa e os milhões são discutidos, sempre é possível chegar a um acordo.
Logo, logo Maktoum aparece com outra esposa, mais jovem e mais bonita, nas corridas de cavalos, sua esfera de dominação do mundo.
Se nada de extremamente pavoroso aparecer, será recebido com todos os salamaleques de sempre.
Haya será uma ex-esposa, com status seriamente diminuído, embora com um palacete em Kensington. E, se tudo der certo, os dois filhos sob sua guarda.