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A complexa história de guerras de Israel no Líbano: maus precedentes

O Líbano é um dos lugares mais complicados do mundo e entrar no país mais uma vez implica uma possibilidade de atoleiro sem fim

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 26 set 2024, 12h09 - Publicado em 26 set 2024, 06h54

Israel já fez três vezes o que está prestes a fazer de novo: entrar por terra no Líbano, a única maneira de interromper os constantes mísseis disparados pelo Hezbollah contra o seu território, criar uma zona de segurança no sul e permitir que mais de 60 mil pessoas voltem para suas casas, nas localidades mais visadas, perto da fronteira.

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Os militares e os serviços de inteligência de Israel conhecem profundamente o Líbano e seu inimigo, a milícia xiita que existe exclusivamente para tentar varrer do mapa o Estado judeu. Sabem das complexidades, têm muito presente o que deu errado nas três interferências anteriores – para ficar nas maiores – e entendem o jogo eternamente mutável de alianças entre as diferentes facções libanesas.

Isso garante que não vão se atolar de novo num conflito que mina as forças físicas e morais do país? De jeito nenhum.

Só para dar um pequeno, mas importante, exemplo de como tudo é eternamente cambiante no Líbano: Saad Hariri é o patriarca de uma família histórica e o mais importante líder sunita do país. Seu pai era o político e milionário Rafik Hariri, assassinado em 14 de fevereiro de 2005 por um terrorista suicida do Hezbollah com um carro-bomba que furou a sua segurança, modelada pelo esquema que cerca os presidentes americanos.

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“Vendeu o sangue”

O que fez Saad Hariri nesse momento que precede uma guerra em escala total? Postou-se ao lado do Hezbollah, com um tuíte em linguagem indireta falando que “a solidariedade nacional é um dever político e moral nesse momento da história do Líbano”.

“Você apoia os que mataram seu pai?”, dizia um dos comentários. Outro: “Você já vendeu o sangue de seu pai antes”.

É verdade. Na eterna dança das cadeiras do Líbano, um ex-inimigo que matou seu pai pode virar um aliado.

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Outro que passou de inimigo a aliado do Hezbollah é o ex-presidente Michel Aoun, um cristão maronita, como prescreve o equilíbrio de poderes entre as dezoito diferentes religiões e seitas do país – criado, na versão moderna, essencialmente para abrigar os cristãos, uma maioria na região que se tornou minoria e hoje tem diferentes tipos de relação com a força que se tornou quase hegemônica, o Hezbollah.

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Sabra e Shatila

Israel já enfrentou a volatilidade dessas alianças. Por exemplo, na segunda guerra do Líbano, desfechada em 1982, tinha uma aliança estreita com os cristãos maronitas. As duas partes tinham um inimigo em comum: a Organização para a Libertação da Palestina, que havia praticamente tomado o país e era uma ameaça para Israel. O líder da maior milícia cristã, Bashir Gemayel, havia sido eleito presidente e a onda parecia virar a favor de cristãos e israelenses, com os primeiros muito satisfeitos em usar o poderio militar dos segundos a seu favor.

Antes de tomar posse, Gemayel foi assassinado num atentado a bomba por um militante de uma obscura facção de esquerda, o Partido Nacional Socialista Sírio no Líbano. Por vingança, a milícia cristã entrou nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Shatila, massacrando entre 1,3 e 3,5 mil pessoas. As forças israelenses estavam a ponto de ocupar Beirute e foram respingadas pela terrível suspeita de que permitiram indiretamente o massacre. Eram libaneses matando palestinos, ou seja, todos árabes, mas até hoje a chacina de Sabra e Shatila é colocada na conta de Israel.

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Na época, em 1982, Israel conseguiu uma grande vitória: a OLP foi tão fragorosamente dizimada que Yasser Arafat teve de deixar o Líbano e seguir para a Tunísia (em 1994, pelo acordo de paz com Israel, chegou à Cisjordânia e parecia que um novo capítulo seria inaugurado; deu muito errado, inclusive pela opção pelo terrorismo, redundando na interrupção do processo de criação de um Estado palestino que dura até hoje).

Israel só foi sair do Líbano em 1985, com um acordo pelo qual o exército libanês garantiria uma zona de segurança no sul do país, de forma a que a parte norte de Israel não fosse bombardeada.

Em vez disso, houve a ascensão do Hezbollah, promovida pelo Irã, que transformou os xiitas nos mais coesos e extremados – além de bem armados – inimigos de Israel. Os dois lados viveram em situação conflituosa até a guerra em ampla escala eclodir de novo, em 2006. Períodos de confronto aberto e de relativa baixa intensidade têm se alternado desde então.

Agente irracional

Para rememorar mais um pouco: a primeira invasão israelense do Líbano foi em 1978, depois que militantes da OLP infiltraram-se em território israelense, sequestraram um ônibus e assassinaram 38 pessoas, das quais treze eram crianças. O planejador da atrocidade, conhecido como Abu Jihad, foi morto por um comando israelense em Túnis, em 1988.

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Esses são apenas alguns exemplos de como o Líbano tem o efeito de drenar forças de Israel. Estudar e conhecer o que aconteceu antes não evita os riscos de uma guerra absurdamente desnecessária, produzida pelo ultrafundamentalismo religioso e político. 

Livros, comissões de inquérito, extensas reportagens e profundos estudos militares já vasculharam os múltiplos envolvimentos de Israel no Líbano, mas as múltiplas camadas de complexidade permanecem.

O Líbano, como um país, não é inimigo de Israel e não tem nenhum motivo para sê-lo. O Hezbollah arrasta-o para uma guerra destrutiva e se torna, gradativamente, um agente irracional. Ontem, por exemplo, disparou mísseis contra a sede do Mossad, responsável pela humilhação dos pagers e walkie-talkies explosivos, que tiraram mais de 1,5 mil militantes de ação.

Pode existir alvo mais protegido do que a sede do serviço de inteligência no exterior, mais cercado por uma barreira de artefatos antimísseis?

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Um inimigo que vai ficando irracional vai se tornando mais perigoso ainda. Uma invasão por terra, os “coturnos na lama” no jargão militar, eleva esse perigo a novos níveis.

“O Hezbollah não passou os últimos dezoito anos plantando árvores e construindo casas”, disse ao Times of Israel o general da reserva Tzvika Haimovitz. “O Hezbollah construiu para si mesmo um semiexército. Conheço muitas forças armadas ao redor do mundo, mas poucas com as capacidades que o grupo terrorista Hezbollah tem.”

Poder e dinheiro

Em 2017, Saad Hariri foi para a Arábia Saudita e renunciou depois de passar menos de um ano como primeiro-ministro. Denunciou que sua vida corria perigo e os culpados eram o Irã e o Hezbollah. “O mal que o Irã está propagando na região vai se voltar contra ele.”

Poder, dinheiro e garantias de vida mudam muitas coisas no Líbano. Na época da renúncia de Saad, ele representava o campo aliado à Arábia Saudita. Do outro lado, o cristão Michel Aoun, aliado do Hezbollah – a quem tinha combatido ferozmente como comandante do exército e presidente, num dos muitos ciclos da guerra civil libanesa.

Parecem agora estar do mesmo lado. O Líbano nunca deixa de causar espanto e é nessa encrenca que Israel se prepara para entrar, mais uma vez.

Estados Unidos e França pediram hoje uma trégua de 21 dias no Líbano, uma tentativa de undécima hora de evitar a guerra total. A linha dura de Israel, política e militar, acha que isso só ajudaria o Hezbollah a recompor forças, depois dos golpes sofridos nos últimos dias. Yair Lapid, líder da oposição, propôs uma trégua de sete dias. Muitos concordam que a proposta deixará Israel em posição ruim, a de rejeitar a trégua ou parte dela. 

Como sempre, só existem opções difíceis para Israel, e o Líbano talvez seja a mais difícil de todas.

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