A cidade subterrânea: nunca foi tão perigoso combater nos túneis de Gaza
Existe o perigo tático, de entrar numa rede de 500 quilômetros sob a terra, e o estratégico, de que o Irã desencadeie seus comandados

Imaginem forças israelenses que avancem pela rede de túneis escavada debaixo da Cidade de Gaza e saibam que assim estarão, implicitamente, sacrificando vidas de reféns capturados pelo Hamas.
Provavelmente não existe dilema mais dilacerante no momento. Esperar algum acordo que salve a vida de reféns, como já exigem famílias desesperadas, implicaria em segurar a operação militar, oficialmente qualificada de guerra, que tem a missão de acabar com a capacidade operacional militar e administrativa do Hamas.
É uma missão dificílima, talvez impossível na opinião de muitos conhecedores. Tacitamente, ela implica em sacrificar pelo menos uma parte dos reféns. Ninguém tem coragem de dizer isso, mas é a tormentosa realidade.
Para tentar realizá-la, Israel, além de sacrificar seus próprios cidadãos, precisa enfrentar não só o inferno da guerrilha urbana como a luta debaixo da terra. E, politicamente, calcular até onde irá a pressão por um cessar-fogo. Quanto mais Israel avança, mais são as vítimas civis, já que nem toda a população bateu em retirada — e maior se tornam as pressões para que a operação seja interrompida.
E também mais aumentam as justificativas para que o Irã agite as milícias que obedecem a seus comandos na Síria, no Iraque, no Iêmen e, principalmente, no Libano, onde o Hezbollah domina o país.
A guerra subterrânea não é novidade para nenhum dos envolvidos. Israel inclusive treina soldados em maquetes de Gaza, com reproduções dos túneis onde forças de elite, em algum momento, terão que avançar literalmente no braço. Os túneis são bem construídos, com depósitos de víveres e combustíveis, essenciais para manter o sistema de ventilação e até de comunicação telefônica à moda antiga, por fio, para escapar das facilmente detectáveis chamadas por celular
A novidade, nessa etapa do conflito, foi no sentido oposto: invasores do Hamas, entre os 2 500 que detonaram a cerca de segurança em trinta pontos em 7 de outubro, tomaram o controle de um posto subterrâneo da 8200, a unidade especial de inteligência do Exército, segundo uma reconstrução feita pelo Washington Post. Foi provavelmente o mais retumbante fiasco dos gravíssimos erros em série que abriram caminho ao “passeio” do Hamas. Explicação para as aspas: a facilidade da ação e a demora da reação foram realmente estarrecedoras, mas as forças israelenses eliminaram cerca de 1 500 invasores — não há números oficiais.
Recapitulando: Israel tem que dar uma demonstração inequívoca de força na falta da qual a segurança nacional está em jogo. Tem que fazer isso avançando numa rede de túneis onde defensores dispostos a tudo, inclusive ou principalmente ao martírio, têm a vantagem do pleno conhecimento do terreno. Não pode parecer que está sacrificando seus próprios cidadãos tomados como reféns, inclusive criancinhas. Precisa atender as demandas do aliado indispensável, os Estados Unidos, que pediram o adiamento do avanço por terra para se equipar e preparar diante da hipótese de ataque dos aliados do Irã às bases que ainda mantém em países como o Iraque e Síria. Precisa administrar a própria população árabe e a da Cisjordânia. E as pressões políticas em escala mundial diante da devastação em Gaza.
Todas essas demandas, já quase impossíveis em si mesmas, acontecem contra um pano de fundo que tem pouco de união nacional. Ao contrário, há forças políticas que não querem saber de esperar pelo fim da guerra para a prestação de contas, como defendeu o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
“As pessoas perderam completamente o senso de segurança nas últimas três semanas”, disse um general da reserva, Noam Tibon, que se apresentou como voluntário para combater os invasores e conseguiu resgatar o próprio filho e sua família numa das localidades atacadas. Detalhe: o filho é repórter do Haaretz, o jornal de esquerda que pede a cabeça de Netanyahu todos os dias, com guerra ou sem guerra.
“Naquele sábado sombrio, o Hamas, que não é uma organização muito grande, humilhou as Forças de Defesa de Israel e Israel”.
“Digo diretamente a Netanyahu: assuma a responsabilidade. Renuncie agora. Vai ajudar a campanha”.
Exceto no caso de uma rebelião interna no governo, isso não vai acontecer. Mas adiciona um elemento a mais a uma situação onde todos os aspectos são dramáticos. As expressões dos principais responsáveis pela guerra, Netanyahu, o ministro da Defesa, Yoav Gallant, e o único líder oposicionista que entrou para o governo de emergência, Benny Gantz, todos vestidos com o “uniforme de guerra” — camisas e jaquetas pretas —, revelam as pressões enormes que enfrentam para tomar as decisões mais importantes de suas vidas.
E a guerra vai durar entre seis meses e cinco anos, avisou o ex-primeiro-ministro Naftali Bennett. Ele é contra um assalto frontal ao “estado subterrâneo” criado pelo Hamas, defendendo um cerco para “sufocar os terroristas do Hamas nos túneis onde se enfiam”.
Haverá condições políticas para esse jogo de “paciência estratégica”? É praticamente impossível. Mas ninguém espera menos do que o impossível dos líderes israelenses nesses momentos cruciais.