A peça A Tragédia Espanhola, assinada pelo dramaturgo britânico Thomas Kyd (1558-1594), um dos mais importantes do teatro Elisabetano, pode ter tido a colaboração de ninguém menos que William Shakespeare (1564-1616). Segundo uma pesquisa realizada por Douglas Bruster, professor da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, 325 linhas do texto da peça foram adicionadas ao projeto original de Kyd em 1602, saídas de um manuscrito coberto com a letra irregular de Shakespeare.
A dúvida sobre a autoria do trecho, conhecido como “Additional Passages” (Passagens adicionais, em tradução direta), já é antiga, mas a hipótese de que Shakespeare assinasse essa parte do espetáculo havia sido refutada por outros especialistas, para os quais certas frases estavam escritas de maneira incorreta e em um estilo desajeitado que não se assemelhava ao do poeta. Bruster, pelo contrário, tem convicção de que foi Shakespeare quem o escreveu. “O que nós temos não é uma escrita ruim, é uma letra ruim”, disse Bruster ao jornal The New York Times. Para ele, os leitores do manuscrito não tinham compreendido a letra caótica do bardo.
Bruster comparou o manuscrito de A Tragédia Espanhola a três páginas atribuídas a Shakespeare que ficam armazenadas na British Library, a biblioteca nacional britânica. Ele identificou 24 padrões de grafia, como a substituição da palavra “blessed” (abençoado) por “blest” e “sorrow” (sofrimento) por “sorow”.
“Nós não temos nenhuma prova absoluta, isso é o mais perto que podemos chegar da verdade”, disse ao jornal Eric Rasmussen, editor da Royal Shakespeare Company, uma das maiores companhias de teatro que encenam a obra do dramaturgo. “Eu acredito que você possa dizer com alguma autoridade que, sim, isso é Shakespeare”, afirmou sobre o trecho de A Tragédia Espanhola. “Há suas impressões digitais em todo o manuscrito.”
No ano passado, outro estudioso também defendeu que a autoria fosse de Shakespeare. O pesquisador britânico Brian Vickers argumentou que as 325 linhas tinham sido escritas pelo bardo depois de conectar padrões linguísticos do dramaturgo e da peça de Kyd.
A presença de um trecho escrito por outro autor na peça de Kyd não é nenhuma novidade, já que no teatro Elisabetano a colaboração era uma prática comum. Alguns escritores se inspiravam em obras já conhecidas para criar suas histórias, outros convidavam colegas para dar ideias e complementar o trabalho.