Premiado e cercado de mistérios, livro ‘Karen’ chega ao Brasil
Obra é assinada pela portuguesa Ana Teresa Pereira, vencedora do Prêmio Oceanos
Karen é um livro “escrito pelo lado de dentro”. É assim que Ana Teresa Pereira descreve a obra que fez dela a primeira mulher a ganhar o Prêmio Oceanos, na sua 15ª edição em 2017. A autora portuguesa é pouco conhecida no Brasil, apesar da sua vasta lista de obras, diversas delas premiadas. Muitas foram traduzidas para idiomas como o francês e o alemão, mas passaram longe daqui, justo um país que compartilha da sua língua.
Os jurados brasileiros da premiação, por isso, desconheciam por completo tanto Ana Teresa como a sua obra. Mas Karen teve tanto impacto entre os brasileiros, maioria na comissão, que levou o título sem dificuldades.
A autora publicou o seu primeiro romance em 1989 e hoje acumula mais de quarenta obras, muitas dentro do universo infantil. Natural de Funchal, é considerada reclusa por dar poucas entrevistas e quase não haver fotos suas pela internet. Ela discorda da pecha. Em entrevista a VEJA, se diz “um pouco solitária”, o que se intensifica quando está no processo de escrever uma obra. Na entrega do prêmio, Ana Teresa teve de falar com os jornalistas, e respondeu às perguntas dos repórteres através do bate-papo do Facebook e com ajuda da jornalista Ana Sousa Dias.
Agora, a discreta e renomada autora chega ao Brasil com a publicação de Karen pela Todavia. O livro conta a história de uma jovem que acorda em um quarto desconhecido com alguns arranhões e não consegue se lembrar do que aconteceu, nem de quem são as pessoas da casa, que a tratam com muita familiaridade, mas como se fosse uma outra pessoa. Sem saber em que acreditar, Karen vive entre as duas personalidades em uma narrativa tensa e misteriosa.
O “policial abstrato”, como a autora classifica, tem inspiração em autores ingleses que Ana Teresa cresceu lendo, filmes americanos em preto e branco (principalmente nos momentos mais sombrios da obra) e do escritor Henry James, o primeiro a ser citado quando perguntada sobre seus autores favoritos. Da obra Rebecca, de Daphne du Maurier, veio a inspiração para o título e o fato de o nome da narradora nunca ser revelado, e de um poema de W. G. Sebald saiu a epígrafe. Para a crítica, um perfil diferente da literatura portuguesa de ficção atual, e que se destaca também por essa razão.
Mas para Ana Teresa, que nunca parou para pensar no que tem de diferente dos outros autores portugueses, é uma história que foi se criando aos poucos depois que mergulhou no universo de Karen. “Como uma atriz, procurei a personagem dentro de mim”, conta. Com o tempo, os personagens e ambientes foram sendo encontrados. “A governanta, ‘encontrei-a’ num episódio de Poirot. Uma atriz que já tinha visto numa versão de O Monte dos Vendavais (no Brasil, O Morro dos Ventos Uivantes), mas que naquela série interpretava uma mulher mais velha e pouco atraente.”
Com o marido da governanta, ela explica, foi diferente: “Tinha o rosto dele desde o início, Alain Delon em O Sol por Testemunha, mas só quando o vi com o cão, quando o vi num país nórdico a beber água numa nascente, comecei realmente a conhecê-lo”. E, assim, cada personagem surgiu ao longo dos oito meses em que a obra foi escrita.
Estreia no Brasil
O lançamento de Karen marca a entrada de Ana Teresa Pereira no mercado editorial brasileiro. Embora nunca tenha sido publicada por aqui, a autora tem alguma intimidade com a literatura brasileira. “O primeiro poema que aprendi de cor, em criança, era de Manuel Bandeira”, relembra. Cita também Cecília Meirelles e Manoel de Barros.
O que espera do público brasileiro? “Há uma história de que gosto muito: Jean Genet encontrou no estúdio de Alberto Giacometti uma pequena escultura, debaixo de uma mesa, cheia de pó, escondida. O escultor disse: “Se ela tiver força, acabará por mostrar-se, mesmo que eu a esconda”. Continuo a pensar isso em relação aos meus livros. Se eles tiverem força, abrirão o seu caminho, no Brasil e noutros países. Eu sou apenas a autora dos livros.”