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A psicóloga e pesquisadora Ilana Pinsky reflete sobre saúde mental e suas conexões com a nossa sociedade
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A neurociência da empatia: conectando cérebros em tempos de desavenças

Um mergulho sobre os circuitos do cérebro e as situações que despertam nossa vocação para sentir o que se passa com os outros

Por Ilana Pinsky
20 set 2024, 12h00

Imagine só: no meio da corrida eleitoral americana, surgem boatos de que haitianos estariam devorando os gatos e cachorros dos vizinhos em Ohio. Sim, esse é o nível da paranoia fabricada que estamos vendo por aí.

A tática de desumanizar o outro, criando medo e desconfiança, virou o jogo favorito de muitos políticos inescrupulosos. Hitler fez isso na Alemanha nazista, culpando os judeus por todos os problemas do país e do mundo, o que resultou em uma das maiores tragédias da humanidade.

E, mesmo sem precisar ir a extremos, basta abrir as redes sociais: uma simples discordância ou interpretação enviesada vira justificativa para despejar uma avalanche de ódio.

O que aconteceu com a empatia?

Curiosamente, essa habilidade, que em linhas gerais é a capacidade de entender e compartilhar sentimentos e experiências de outra pessoa, tem uma raiz neurobiológica hoje conhecida.

Antes vista como uma “soft skill”, algo que poderia ser apenas uma questão emocional ou comportamental, a empatia agora é compreendida como uma competência neurobiologicamente fundamentada.

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Isso acontece porque o cérebro tem um sistema programado para “espelhar” o que as outras pessoas estão sentindo.

Os neurônios-espelho, descobertos na década de 1990 por cientistas italianos, revolucionaram a compreensão da empatia ao revelar uma base fisiológica para essa capacidade.

Observando macacos, os pesquisadores notaram que certos neurônios no lobo frontal eram ativados tanto quando o animal realizava um movimento específico como pegar uma uva-passa quanto quando ele observava outro indivíduo fazendo a mesma coisa.

Esses mesmos neurônios foram identificados em humanos e atuam em várias áreas do cérebro, contribuindo para a compreensão das ações dos outros e formando a base das habilidades sociais.

Estudos de neuroimagem mostram que as áreas cerebrais envolvidas na experiência emocional pessoal também são ativadas quando observamos essas emoções em outras pessoas. Essa “ressonância emocional” é fundamental para a nossa capacidade de entender e compartilhar sentimentos, sendo a chave para a empatia.

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Parte da vida

Veja se essa cena é familiar: você está caminhando pela rua e vê alguém tropeçar. Instantaneamente, você faz uma careta de dor, como se sentisse o impacto do tombo. Estranho, não é?

Não se trata apenas de ser uma pessoa boa, embora isso também ajude – você automaticamente sentiu aquele desconforto visceral: é o seu cérebro literalmente espelhando a experiência do outro.

Esse mecanismo automático é uma peça-chave no que chamamos de “empatia” e ajuda a nos conectar emocionalmente com o mundo ao redor.

Tal “imitação interna” não se limita à dor.Estudos mostram que o cérebro reage de forma similar a expressões faciais, tom de voz, toque, nojo, vergonha (pense como se envergonha quando ouve alguém falando besteira ou vê um colega errando o passo na aula de dança) e a várias outras emoções.

Quando observamos alguém que se emociona, uma rede neural específica é ativada.

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Além dos neurônios-espelho, outros estudos mostram que o processo empático também envolve regiões específicas do cérebro, como o córtex pré-frontal, responsável pelo chamado “controle cognitivo”. É essa área que entra em ação quando tentamos entender racionalmente o que o outro está sentindo — um processo chamado “perspectiva cognitiva” ou “teoria da mente”.

Isso inclui perceber se alguém está feliz, triste, com raiva ou preocupado, apenas observando suas expressões, gestos ou ações – ou seja, interpretando as emoções dos outros.

Enquanto os neurônios-espelho nos fazem sentir o que o outro sente, o córtex pré-frontal nos permite nos afastar um pouco e analisar a situação. Juntos, esses mecanismos formam o que conhecemos como empatia, permitindo que nos colocar no lugar de outra pessoa sem ser dominados por suas emoções.

Isso é vital, por exemplo, para profissionais da saúde ou assistência social, que precisam oferecer apoio sem que sejam consumidos pelo sofrimento alheio.

A empatia em meio à crise

É aqui que entra o trabalho de Emile Bruneau, neurocientista que dedicou a vida a entender o papel da empatia em cenários de conflito.

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Quando Bruneau nasceu, sua mãe teve um surto psicótico, desenvolvendo esquizofrenia. Ele cresceu assistindo a paranoia e as alucinações auditivas assustadoras da genitora, que gritava seu nome e a ameaçava.

Como parte da doença, ela não conseguia analisar criticamente esses acontecimentos, não tinha como se defender. Desde pequeno, precisou criar um forte sentido de empatia para lidar com a condição da mãe.

Bruneau, que se tornou diretor do laboratório de neurociência da paz e conflitos da Universidade da Pensilvânia, desenvolveu pesquisa a partir de uma questão: “ O que acontece com nosso cérebro quando nos deparamos com o sofrimento de outras pessoas?”

Estudou as raízes biológicas dos conflitos e o papel da empatia nos confrontos entre grupos; e como o cérebro humano reage a essas situações.

Seu ambicioso objetivo era promover a paz entre os vários grupos ao redor do mundo que se encontram em situação de violentos conflitos de larga escala. Esteve presente em conflitos na Irlanda, África do Sul, Colômbia, Israel.

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Sua linha de pesquisa confirmou vários achados de estudos clássicos da psicologia social e apontou que há uma diferença marcante em como o cérebro responde a membros de grupos de oposição em situações de confronto.

Bruneau demonstrou que, numa polarização, ao lidar com o “outro lado”, as áreas cerebrais relacionadas à empatia ficam menos ativas. Isso gera uma barreira biológica, dificultando a capacidade de ver o outro como plenamente humano.

É como se nossa empatia ficasse exclusivamente reservada para o grupo com o qual nos identificamos – resultando em um uso não produtivo dessa habilidade.

A morte precoce de Bruneau, em 2020, aos 47 anos, foi uma perda não só para a comunidade neurocientífica, mas para todos que esperavam entender como a empatia poderia ajudar a curar nossas divisões sociais mais profundas.

Seu trabalho mostrou que, embora sejamos “programados” para a empatia — graças a mecanismos como os neurônios-espelho e a capacidade do cérebro para ressonância emocional —, também somos influenciados por preconceitos, medos e instintos que podem levar à desumanização.

Suas pesquisas revelaram essas lacunas na empatia, especialmente em situações de polarização intensa, em que o “protocolo”do cérebro pode desconectar a empatia perante alguém percebido como “o outro”.

Os estudos de Bruneau oferecem esperança. Ao entender esses mecanismos neurais e os contextos sociais que os ativam ou desativam, podemos começar a identificar onde e como houve falha na empatia – e como superá-la.

Seu trabalho mostrou que vieses cognitivos podem ser neutralizados por meio de intervenções intencionais que promovam interações positivas entre grupos opostos.

Revelou que é possível desafiar e reduzir esses preconceitos inatos, ao criar ambientes que incentivem a cooperação e o entendimento mútuo.

Não se trata de darmos as mãos e professarmos perdão. As intervenções precisam ser cautelosamente pensadas para cada grupo e situação.

Nenhuma intervenção funciona igualmente para todos, porque as pessoas entram em conflito por diferentes razões. Os vários seguidores de Bruneau vêm avançando em juntar ciência com redução de conflitos e pacificação e testar intervenções com diferentes populações.

E, como diz o ditado, conhecimento é poder. Quanto mais entendemos como funciona nosso cérebro — tanto a favor quanto contra a empatia —, mais preparados estaremos para superar divisões, desafiar preconceitos e cultivar uma compreensão genuína e respeitosa entre as diferenças.

* Ilana Pinsky é psicóloga clínica, doutora pela Unifesp. É autora de Saúde Emocional: Como Não Pirar em Tempos Instáveis (Contexto), foi consultora da OMS e da OPAS e professora da Universidade Colúmbia (EUA)

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