Em todo processo de conspiração golpista, como a criada por Jair Bolsonaro e seus asseclas – segundo conta a Polícia Federal em 800 páginas -, há um importante risco da perspectiva das Forças Armadas: a quebra da hierarquia.
Nada pode ser pior para o Exército, a Marinha e a Aeronáutica.
Isso acontece em qualquer tipo de governo autoritário ou na tentativa de golpe antes do início do regime ditatorial. Há uma desorganização daquilo que as Forças Armadas de qualquer país acham ser o mais valioso: a cadeia hierárquica.
Lendo o relatório contra Bolsonaro e os 36 integrantes do governo, incluindo militares, é fácil perceber que, quando o general Marco Antônio Freire Gomes, então comandante do Exército, não aceita participar do golpe bolsonarista, o ex-presidente convoca o militar logo abaixo hierarquicamente, o general Estevam Theóphilo, para fazer parte do plano.
Quando os tenentes coronéis se organizam, em Brasília, para fazer uma carta ao comandante do Exército pedindo para ele agir de forma inconstitucional, também após ele negar o ato inconstitucional, também quebrava-se a hierarquia.
Tudo aconteceu com o conhecimento do próprio Bolsonaro, segundo o relatório da PF. Da perspectiva do Exército, que diz prezar tanto por esse valor, acaba sendo um tiro no pé em relação aos próprios valores sagrados da força militar.
Esse mal também aconteceu na ditadura militar, quando capitães e outros militares de baixa patente do oficialato, responsáveis pela tortura no quartéis, eram tratados como inatingíveis pelos superiores. Criou-se naquele momento uma linha paralela hierárquica no Exército, na Marinha e na Aeronáutica, liderados por esses torturadores do estado.
Eles tinham mais poderes, às vezes, do que quem fazia uma carreira mais profissional, longe de violações de direitos humanos, por exemplo, e estava acima na hierarquia.
O risco que correm as Forças Armadas, quando se envolvem em movimentos golpistas como esse bolsonarista, é o de testemunharem seus próprios valores, alicerces para a engrenagem militar da caserna funcionar, serem destruídos.
Destruindo-se essa cadeia hierárquica, o castelo de cartas do Exército vai ao chão. E não é um castelo qualquer. No Brasil, estima-se que há 360 mil soldados – o maior da América Latina e um dos maiores do mundo.
Em tempo, leitor: na página 633 do relatório da Polícia Federal coronéis afirmam que generais se formaram “em escola de prostitutas, escolhendo o lado pessoal e não o do povo”. Era mais uma reclamação contra aquelas que não deram o golpe. Cadê a hierarquia e disciplina?