O que o atentado a Trump revela sobre a violência na América
... ou sobre o messianismo na era da memecracia
As incontáveis teorias da conspiração ora questionam o atentado a Donald Trump, ora lhe dão explicações estapafúrdias, afinal, transmitidas em tempo real, as imagens revelam os disparos, o mergulho no chão, o susto da plateia e, ato contínuo, a emersão triunfante do republicano no centro dos agentes secretos, com olhar altivo, punho cerrado e palavras de ordem. Na era da memecracia, registrou-se a figura de um messias redivivo.
Quem acompanha os comícios de Donald Trump acostumou-se com a simulação de um ritual cristão, que termina com uma preleção solene, em feitio de oração, acompanhada dos murmúrios e das mãos erguidas dos presentes, à semelhança de um culto religioso. Como um líder espiritual, o ex-presidente tenta mostrar-se incumbido de uma missão divina.
Nesse messianismo contemporâneo, que pontifica pelo memes, os sons de tiro (viral já no nascedouro) fez girar a produção narrativa – e a imagem de Trump com a orelha ferida reproduziu-se à exaustão instantaneamente: os estampidos como trombeta, o sangue na face como sinal do sagrado.
No Brasil, fenômeno correlato se processou quando Jair Bolsonaro deparou-se com Adélio Bispo. Então, somou-se ao discurso religioso – “Deus acima de tudo” – uma prova material, isto é, a conversão do capitão reformado no próprio cordeiro imolado: aquele que venceu o sacrifício da morte e eis ressuscitado.
Diante de histórias tão similares, aquém e além do equador, assombra-nos a seguinte dúvida: terá o acaso uma capacidade incrível de fabricar coincidências extraordinárias ou pregações parecidas tendem a gerar reações equivalentes?
Em seus governos, Trump e Bolsonaro adotaram medidas que facilitaram o armamento da população. O norte-americano, além de receber doações da Associação Nacional do Rifle (NRA, na sigla em inglês), sancionou, em 2018, a lei que permitiu a venda de armas para pessoas com transtornos mentais. Daí para o desfecho na Pensilvânia foi um pulo (ou um tiro).
Bolsonaro, de seu turno, menos de uma semana antes da facada em Juiz de Fora, em um comício no Acre, havia conclamado o público a “fuzilar a petralhada”, provando que nem sempre são controláveis as relações de causa e efeito.
Se é verdade, como escreveu Fernando Pessoa, que “supor o que dirá a tua boca velada é ouvi-lo já”, o que não serão capazes de fazer aqueles que estão ávidos para executar as ordens do messias – as quais captam, de maneira distorcida, por intermédio de memes?
Trump e Bolsonaro, malgrado as diferenças de carreira, chegaram aos cargos máximos de seus países em movimentos idênticos: saltaram das mídias, onde interpretavam papéis de bobos da corte (nomenclatura que esconde o real potencial da atividade), para as presidências das Repúblicas. E, nessa trajetória do circo à política, precisaram adotar o mesmo expediente: disfarçar o palhaço de messias, armá-lo de memes e ladeá-lo de armas.