O despreparo brasileiro para lidar com desastres naturais
O ensaísta Davi Lago mostra como países lidam com furacões e vulcões enquanto não conseguimos enfrentar alagamentos

A onda de calor neste final de semana em diversas regiões de Brasil – com termômetros ultrapassando 40ºC – é mais um episódio na série alarmante de eventos climáticos extremos que impactam negativamente a vida de milhões de pessoas.
Conforme dados da Confederação Nacional de Municípios, entre 2013 e 2022, 93% dos municípios brasileiros foram atingidos por desastres naturais como tempestades, inundações, enxurradas e alagamentos. O número de cidadãos afetados é impressionante: 4,2 milhões de pessoas. Estes eventos em si, não deveriam causar estranhamento.
Como afirma o professor Ilan Kelman na obra Disaster by choice (Oxford, 2020), “essas manifestações da natureza ocorreram incontáveis vezes através na história da Terra. O desastre consiste em nossa inabilidade de enfrentá-los como parte da natureza”. De fato, a gestão de risco de desastres é uma preocupação global crescente e passa por fatores como crescimento populacional e aumento da densidade demográfica, condições socioeconômicas e tecnológicas, infraestrutura, falta de planejamento urbano, degradação ambiental, variabilidade climática, competição por recursos escassos, turismo predatório, incompetência na gestão pública e desorganização da sociedade civil.
O Brasil possui um moderno Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) em São José dos Campos. Com equipe e instrumentos de ponta, o Cemaden é capaz de mapear, prever, informar e alertar possíveis desastres com dias de antecedência. Um dos grandes desafios está em transformar essas informações em ações efetivas com as populações das zonas de risco. A resolução deste gargalo certamente passa pela elaboração de uma estratégia nacional de prevenção e gestão de riscos de desastres e aprimoramento de protocolos, legislação, equipamento e treinamento pessoal no âmbito regional. Levantamento da Associação Contas Abertas indica que o orçamento estabelecido para a gestão de riscos e desastres em 2023 é o menor em 14 anos: 1,7 bilhão. A verba tem a finalidade de viabilizar obras como, por exemplo, contenção de encostas, drenagem, estudos de áreas de risco para a prevenção de desastres naturais pelo país.
Contudo, a responsabilidade não é apenas governamental. A sociedade civil organizada, entidades do terceiro setor, igrejas, escolas e demais atores sociais podem contribuir decisivamente na diminuição da distância entre as populações das zonas de risco e as informações disponibilizadas por órgãos como o Cemaden.
O professor Kelman, examinando desastres naturais globais, afirma que a educação das pessoas é crucial para a redução de mortes evitáveis: “A capacidade física é um pequeno componente na sobrevivência a um desastre; ajuda, mas nunca deve ser confiável. Sem pensar previamente sobre como reagir, a pessoa que consegue correr mais rápido ou subir em uma árvore pode conseguir sair da praia quando o tsunami ocorrer. Mas nem sempre, uma vez que a água pode destruir edifícios mais rapidamente do que as pessoas conseguem correr e um alpinista experiente pode morrer se o tsunami ultrapassar ou derrubar a árvore”.
A população japonesa é recorrentemente preparada para agir em terremotos. Outras nações aprenderam lidar com furacões e vulcões. No Brasil, não conseguimos nos organizar sequer para superar as chuvas. A desinformação, o negacionismo científico, a falta de confiança mútua que atravessam a sociedade brasileira só poderão ser superados com o esforço conjunto da sociedade.