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Como as sociedades lidam com traumas decorrentes da violência estatal?

Davi Lago traz luz sobre a memória: a relação entre a violência e os seus efeitos traumáticos

Por Davi Lago
Atualizado em 10 Maio 2021, 08h57 - Publicado em 10 Maio 2021, 08h01

Como se não bastassem as mais de 400 mil mortes brasileiras em decorrência da pandemia, o avanço do espectro da fome para várias famílias, entre outras mazelas, o Brasil recebe a assustado as imagens e relatos de uma operação da polícia civil na comunidade do Jacarezinho no Rio de Janeiro, já considerada uma das mais letais da história. Como as sociedades lidam com traumas decorrentes da violência estatal?

Na obra Trauma and the memory of politics (2003) Jenny Edkins examinou especificamente a relação entre violência, efeitos traumáticos da violência e a fundação e perpetuação do poder soberano. A partir de cuidadosa pesquisa sobre locais, práticas e discursos que comemoram guerras, morticínios, genocídios e ataques terroristas, a autora afirma que um evento traumático envolve força, embora isso não seja suficiente. De acordo com Edkins, o trauma também envolve uma traição de confiança: “o que chamados de trauma ocorre quando os próprios poderes que estamos convencidos de que nos protegerão e nos darão segurança se tornam nossos algozes: quando a comunidade da qual nos consideramos membros se volta contra nós ou quando nossa família não é mais um lugar de refúgio, mas de perigo”. Deste modo, eventos traumáticos obliteram nossas percepções anteriores sobre o mundo e nosso lugar nele.

Ademais, ao interromper nossa compreensão da comunidade, o trauma também diminui nossa capacidade de falar corretamente sobre “o que aconteceu”. Pessoas traumatizadas vivem em dois mundos diferentes: o reino do trauma e o reino de sua vida cotidiana atual. O trauma é repetido inúmeras vezes através de reconstituições da experiência. Assim, conforme Edkins, a submissão ao poder soberano em prol da segurança exige que ignoremos os momentos em que esse poder foi empregado contra os cidadãos, quando o Estado usou a “segurança” como justificativa para violações indescritíveis do corpo e do espírito. Assim, para o Estado, disciplinar o tempo do trauma, buscando controlar a narrativa dos eventos através do policiamento cuidadoso de quem tem permissão para falar e quais histórias podem ser contatas, é determinante para a manutenção do poder soberano. Sobreviventes e testemunhas, neste contexto, têm suas experiências subvertidas através de expedientes conhecidos: medicalização (síndrome de estresse pós-traumático), novas narrativas (simbologia de heróis, vilões, sacrifício e redenção), normalização e apagamento.

As reflexões de Edkins são pertinentes ao momento traumático vivenciado pela sociedade brasileira. Do mesmo modo, são assertivas as três perguntas levantadas por Antônio Carlos Costa, idealizador da ONG Rio de Paz, localizada na comunidade do Jacarezinho: 1) a operação foi necessária? 2) a operação se inseria em qual estratégia? 3) Se o Estado entra com bala, por que não entra com o resto, particularmente saneamento, lazer e educação para as crianças?

* Davi Lago é pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo 

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