Por que Bolsonaro quer Lula, e Lula quer Bolsonaro
Não há apenas dois lados e, se ficar prisioneiro da polarização, o Brasil não conseguirá ter respostas novas para os enormes desafios do pós-pandemia
Desde que o ex-presidente Lula voltou a ser elegível, portanto um candidato viável para 2022, apareceram as mais variadas interpretações sobre os fatos. Algumas contraditórias. Há a ideia de que Lula dará o tom pelo inegável carisma que tem. Entretanto, quem está na cadeira de presidente e é candidato competitivo tem sempre grande poder de definir a agenda – então a bola estará mais no pé do presidente Jair Bolsonaro, goste-se ou não. Outra ponto levantado é o medo do acirramento da polarização. Ele vai ficar polarizado? Ora, o país está fracionado há muito tempo, mas o risco é o de continuar prisioneiro desse maniqueísmo, sem discutir questões fundamentais para emergir da crise com várias dimensões em que se encontra.
Existem comparações entre Lula e Bolsonaro como se eles fossem dois lados de uma mesmo moeda. O ex-presidente e o atual presidente são políticos de histórias e trajetórias bem diferentes. É sempre bom lembrar que Bolsonaro faz a defesa aberta da ditadura militar (1964-1985) e dos seus atos mais hediondos, a tortura. Lula, quando governou, respeitou as instituições – desde a escolha do mais votado para a Procuradoria-Geral da República à autonomia da Polícia Federal. Além de ter sido capaz de formular boas políticas sociais e ambientais. Bolsonaro, por sua vez, tem sido o pior gestor possível da pandemia. Não são equivalentes, portanto.
O risco da polarização é o embrutecimento do debate e o país, cheio de problemas reais, concretos, urgentes, ficar entre o “medo do comunismo” estimulado por Bolsonaro, e a tentativa do PT de cobrar uma suposta conta do “golpe de 2016”. Se Lula prefere um adversário como Bolsonaro, Bolsonaro prefere um do PT. Talvez não o Lula em si – ele piscou nas primeiras horas mostrando que tem medo do carisma do ex-presidente – mas alguém do partido de esquerda.
O Bolsonarismo raiz prefere se manter no discurso da Guerra Fria, “combatendo o comunismo”, do que enfrentar as pertinentes críticas relacionadas ao negacionismo, à má gestão na compra das vacinas e ao atraso na imunização da população, além do fato de o Brasil estar se tornando o grande epicentro mundial das variantes do coronavírus. O governo não quer debater o porquê de a campanha “Bolsocaro” estar fazendo sucesso. Bolsonaro também quer fugir dos incômodos questionamentos sobre a mansão de seu filho Zero Um, o senador Flávio, ou as rachadinhas em seu gabinete.
Ao mesmo tempo, o petismo não quer discutir os erros grosseiros da política econômica da ex-presidente Dilma Rousseff, que afundaram o país numa recessão sem precedentes, uma política energética que levou a um tarifaço. É bom lembrar que quando a ex-presidente Dilma foi afastada, o país estava em recessão e com inflação batendo dois dígitos. Também mais confortável para o PT é dizer que não houve casos de corrupção e sim perseguição ao Lula.
Os dois lados querem a discussão menor, da esquerda versus direita, comunismo versus neoliberalismo, como se esse debate já não tivesse sido superado pelo tempo. O PT não fez uma gestão anticapitalista. Ao contrário, os bancos estavam muito satisfeitos durante os dois governos Lula. Bolsonaro não está fazendo uma gestão liberal e pelo estado mínimo. O mercado só não quer admitir que fez a aposta errada em 2018.
Há, contudo, essa teoria que ganhou força nos últimos dias. A de que Lula pode vir vestido com uma “nova-velha” roupagem, a do Lulinha paz e amor 2.0, e com isso diminuir a temperatura da campanha. Apesar disso, não será Lula que definirá o debate em 2022, mas Bolsonaro, como disse. O presidente que está no cargo e o que dá as cartas do jogo, mesmo com um opositor do tamanho de Lula.
Hoje sabemos que o país pode – e provavelmente continuará refém – da polarização que nos sequestrou nas eleições de 2018, e nos enfiou no buraco em que estamos. Em vez do “nada será como antes”, estamos nos encontrando de frente com o tudo será como antes. A história só se repete como tragédia, ou como farsa, já avisou Karl Marx. Só que em 1800. Depois da pandemia, mais do que nunca, será necessário encontrar novas respostas para os dilemas do país.