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Por que furtos de picanha e xampu vão parar no STF?

Principal Corte judiciária do país também já teve que se debruçar sobre a subtração de duas peças de queijos, bicicleta e R$ 40 de um vendedor de lanches

Por André Siqueira Atualizado em 2 jul 2020, 14h12 - Publicado em 2 jul 2020, 14h01

No início desta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou dois casos curiosos e semelhantes, cada um deles com um desfecho distinto. Em um caso, uma mulher foi absolvida por furtar uma peça de picanha e outros itens culinários, enquanto, no outro, um homem, preso pelo furto de dois xampus, cada um deles no valor de 10 reais, teve seu pedido de liberdade negado. Os episódios reacendem o debate sobre os motivos pelos quais causas pequenas vão parar na mais alta Corte do país, que deveria se ater a questões envolvendo princípios da Constituição Federal.

As duas decisões foram proferidas na terça-feira 30. O ministro Gilmar Mendes absolveu uma mulher, moradora do Rio de Janeiro, presa em flagrante por furtar um pedaço de picanha, três tabletes de caldo de tempero de alimentos e uma peça de queijo de um estabelecimento comercial. Em sua decisão, escreveu que o sistema de penalizações deve atuar “para proteção dos bens jurídicos de maior relevância e transcendência para a vida social”. Em outro trecho, afirma que “não cabe ao direito penal como instrumento de controle mais rígido e duro que é ocupar-se de condutas insignificantes, que ofendam com o mínimo grau de lesividade o bem jurídico tutelado”.

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A ministra Rosa Weber, por sua vez, negou um pedido de liberdade para um homem, de 30 anos, preso por furtar duas embalagens de xampu, cada uma delas no valor de 10 reais. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ministro Félix Fischer já havia decidido monocraticamente contra o réu, que é reincidente no crime de furto. Na decisão que justifica a sua prisão, afirma que os antecedentes criminais do réu comprovam que ele “não consegue viver em sociedade”.

Jurisprudência

O STF firmou há mais de uma década a jurisprudência em torno da questão do princípio da insignificância, um preceito que exige quatro condições essenciais para ser aplicado: a mínima ofensividade da conduta, a inexistência de periculosidade social do ato, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão provocada. Em resumo, segundo entendimento da Corte, o conceito é o de que a conduta praticada pelo agente atinge de forma tão ínfima o valor tutelado pela norma que não se justifica a repressão – juridicamente, isso significa que não houve crime algum.

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Para Conrado Gontijo, criminalista e doutor em direito penal e econômico pela Universidade de São Paulo (USP), o fato de casos “insignificantes do ponto de vista jurídico-penal” chegarem ao Supremo indica “a disfuncionalidade brutal do sistema de Justiça brasileiro”. “Se os juízes de primeiro grau, os Tribunais de Justiça e até mesmo o STJ tivessem um olhar em direção ao direito penal que visasse um direito penal que contemplasse apenas casos excepcionais, de gravidade efetiva, e é para isso que o direito penal existe, o Supremo não teria que fazer esse tipo de análise”, disse a VEJA. “Ou seja, isso chegou lá porque o óbvio deixou de ser dito nas instâncias judiciais anteriores”, acrescenta.

Controvérsias

Mas ainda há divergências em relação à questão. A ministra Rosa Weber, por exemplo, não aplicou o princípio no caso citado acima porque o réu era reincidente, mas esse tipo de conduta não foi obstáculo para a utilização da regra em outros casos. O ministro Celso de Mello, por exemplo, invalidou condenação imposta a uma mulher de Juiz de Fora (MG) por crime de tentativa de furto de duas peças de queijo minas, no valor de 40 reais – o bem foi devolvido ao supermercado, mas mesmo assim ela havia sido condenada a cinco meses de prisão em regime semiaberto.

Após o STJ negar recurso da Defensoria Pública da União sob o argumento de que a aplicação do princípio da insignificância é incompatível com a reincidência, o caso foi parar no STF e a tese foi rejeitada por Celso de Mello. “O reduzidíssimo valor das res furtivae (R$ 40) e as circunstâncias concretas em que se deu a subtração patrimonial, meramente tentada, com a restituição dos objetos subtraídos à vítima, justificam, não obstante a condição de reincidência, o reconhecimento do fato insignificante”, salientou o ministro. Para ele, a mera circunstância de a condenada ser reincidente “não basta, por si só, para afastar o reconhecimento, na espécie, do denominado ‘delito de bagatela’”. Para ele, o Plenário do Supremo já havia firmado esse entendimento no julgamento de três habeas corpus em agosto de 2015.

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Não é incomum esse tipo de caso chegar ao STF. Entre os processos que já chegaram à Corte máxima do país estão um caso de furto de dez brocas, dois cadeados, duas cuecas, três sungas e seis bermudas de um hipermercado, o de um furto de uma bicicleta (devolvida ao proprietário) e a tentativa de furto de cinco barras de chocolate – nos três casos, os habeas corpus foram concedidos.

Mas, para ilustrar como a questão é complexa, em um outro caso de furto de bicicleta avaliada em 100 reais, julgado em 2011, o STF negou o habeas corpus porque a vítima, no caso, era muito pobre. Para os ministros, isso afastava o princípio da insignificância porque, para quem teve o veículo roubado, o valor do bem era significativo.

Em 2009, a Corte também negou a aplicação do princípio, apesar do valor baixo roubado (40 reais) porque o dinheiro era tudo o que uma dona de trailer de lanches no Rio de Janeiro havia ganhado no dia. “O valor subtraído representava todo o valor encontrado no caixa, sendo fruto do trabalho da lesada, que, passada a meia-noite, ainda mantinha o trailer aberto para garantir uma sobrevivência honesta”, afirmou a ministra Ellen Gracie.

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