Os temas que deveriam pautar o debate eleitoral na visão dos especialistas
Propostas genéricas, caneladas e debate infrutífero sobre a credibilidade das urnas afastam os eleitores da discussão dos grandes temas nacionais

A menos de cinco meses da eleição presidencial, as trocas de caneladas entre os pré-candidatos, as ideias genéricas para os grandes temas nacionais e o infrutífero debate sobre a credibilidade das urnas — no qual o presidente Jair Bolsonaro (PL) insiste, ocupando boa parte da discussão pública — têm tirado dos eleitores a chance de se debruçarem sobre os reais problemas do país. A reportagem de VEJA ouviu especialistas de diversas áreas sobre o que eles avaliam que deveria ser prioridade no debate eleitoral.
A economia é apontada como o principal problema do país por 50% dos brasileiros, segundo pesquisa Genial/Quaest feita nos dias 5 a 8 de maio. Nessa seara, uma das prioridades, segundo o economista Eduardo Giannetti, deveria ser a discussão da reforma tributária – que o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu, mas não entregou. “Os candidatos deveriam apresentar qual a sua proposta para uma simplificação e uma revisão, tanto do ponto de vista da eficiência como da equidade do sistema tributário brasileiro”, diz. Um dos que melhor detalharam sua ideia nesse quesito, até o momento, é Ciro Gomes (PDT), que, entre outras coisas, promete reduzir subsídios e incentivos fiscais em 10% no primeiro ano.
Outra preocupação entre economistas é o risco de descontrole fiscal. O aumento de gastos públicos sem equiparação na receita tem levado a um cenário em que o Estado não conseguirá garantir investimentos no futuro. Em 2021, a dívida pública chegou a 5,6 trilhões de reais, um aumento de 12% em relação a 2020. Neste ano, a previsão é que o déficit fiscal seja de mais de 67 bilhões de reais – o que é agravado por promessas eleitoreiras de reajustes para o funcionalismo. “O que as campanhas deveriam estar fazendo, e não fazem, é indicar quais são as prioridades, onde irão gastar e onde não vão”, afirma o economista Rodrigo Reis Soares, do Insper.
Para Giannetti, o governo Bolsonaro fez um desmonte das instituições fiscais, como o teto de gastos e o próprio Orçamento, que passou a ter uma parte “secreta” usada para negociações com a base aliada no Congresso, o que impõe a necessidade de um novo regime fiscal. “Tivemos um alívio temporário porque houve aceleração da inflação e isso ajuda – aumenta a arrecadação, controla o gasto e reduz a relação dívida/PIB. Mas com o juro real elevado e a inflação que tende a cair, teremos a volta de uma situação de crescimento insustentável da dívida pública, porque o estoque da dívida sobre o qual o juro incide aumentou dramaticamente na pandemia. Vai virar bola de neve”, diz.
No campo da educação, o país tem uma série de gargalos estruturais. “Um adolescente dos anos 1980 tinha, em média, apenas três anos de estudo. Conseguimos colocar os jovens na escola, mas a produtividade de um trabalhador dos anos 1980 é parecida com a de hoje”, afirma Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social). Para agravar, a evasão escolar aumentou na pandemia, o que deve fazer com que a escolaridade média do trabalhador brasileiro em breve diminua. Professor da Faculdade de Educação da USP e membro do Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara lembra que o Brasil, pela segunda vez, não deve atingir as metas do Plano Nacional de Educação instituído em 2014 para ser cumprido até 2024. “A meta mais difícil de ser atingida é investir 10% do PIB em educação. Assustadoramente, nenhum dos candidatos fala sobre o Plano”, diz.
Na área da assistência social, o Brasil vinha aprimorando ao longo dos anos os programas de transferência de renda condicionada, como Fome Zero, Bolsa Escola e Bolsa Família, de modo a garantir mais recursos para as famílias mais necessitadas, mas o Auxílio Brasil formulado pelo atual governo deixou de considerar o contexto das famílias. “Uma família mais pobre ou famílias maiores devem receber mais. A gente tem a tecnologia operacional para fazer isso, mas abandonou”, diz. Segundo Neri, estudos mostram que quem mais sofreu com as mudanças foram as crianças. Lula tem prometido manter o auxílio de 400 reais e retomar as características que o programa tinha nas gestões petistas. Ciro quer unificar três benefícios (Auxílio Brasil, Seguro Desemprego e Aposentadoria Rural) com um valor ainda em estudo. João Doria (PSDB) fala em um benefício adicional para que os jovens continuem na escola.
Na saúde, segundo o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (União Brasil), que deixou a pasta em 2020, deveria ser prioridade a adoção de ações que levem à redistribuição dos recursos principalmente para a atenção primária (prevenção), que evita que as doenças se agravem. Hoje, 80% das verbas vão para a atenção especializada (quanto o paciente já precisa se tratar). “Se você cuida do hipertenso, não vai ter tanta lesão renal”, explica.
O meio ambiente, que tem forte impacto nas relações internacionais, requer dos candidatos que se posicionem sobre três aspectos, na avaliação de Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima: a questão indígena, intrinsecamente ligada à ambiental, o combate imediato ao desmatamento, com um choque de gestão e de discurso, e a revogação de mais de uma centena de normas editadas pelo atual governo – Simone Tebet (MDB-MS), por exemplo, já prometeu fazer um “revogaço ambiental”. “Desde outubro de 2019 não se cobram multas ambientais no Brasil porque o governo inventou um truque, uma câmara de conciliação de multas ambientais, que simplesmente paralisou tudo”, afirma Astrini. Além disso, é urgente destravar o Fundo Amazônia, que tem 3 bilhões de reais parados.
A reversão de atos do governo Bolsonaro, inclusive, virou uma das principais plataformas de seus adversários. Segundo Marco Ruediger, diretor da DAPP-FGV (Diretoria de Análise de Políticas Públicas), que monitora as publicações e interações dos pré-candidatos nas redes, a característica mais marcante da discussão eleitoral deste ano é estar “ancorada no passado”, dividida entre uma visão que prega implodir tudo o que o Estado edificou desde a redemocratização, representada pelo bolsonarismo, ou resgatar as políticas e o arcabouço institucional surgido no pós-ditadura, como defendido pelas outras correntes. O resultado desse embate, na análise de Ruediger, é que a discussão política, além de rasa, não tem trazido qualquer ineditismo para o eleitor, a despeito de a campanha estar sendo longa como nunca. “Em termos de redes sociais, nós já estamos na eleição. As redes tornaram a disputa política algo permanente”, observa.
