A “proposta indecente” revelada por VEJA na reportagem da capa de 3 de fevereiro de 2023 está anexada ao relatório da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe de Estado para manter Jair Bolsonaro no poder mesmo após a derrota nas urnas na eleição de 2022. O episódio trazido com exclusividade pela revista era um plano para o senador Marcos do Val (Podemos-ES) grampear o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, admitindo que teria agido fora das regras constitucionais em processos que comanda.
Segundo Do Val, a proposta chegou aos seus ouvidos por meio do então presidente Jair Bolsonaro, em uma reunião no Palácio da Alvorada, a qual foi levado pelo então deputado Daniel Silveira (PL-RJ), que hoje cumpre pena por ameaça à democracia. As mensagens obtidas por VEJA e que sustentaram a reportagem dão conta de que a reunião ocorreu no dia 8 de janeiro de 2022. No encontro, Bolsonaro teria exposto a Marcos do Val o plano para grampear Moraes. O senador também recebeu a garantia de que teria todo o equipamento necessário para a “missão”.
“O ex-Presidente JAIR MESSIAS BOLSONARO, na presença do então Deputado DANIEL LÚCIO DA SILVEIRA, teria solicitado ao Senador que gravasse o Ministro ALEXANDRE DE MORAES admitindo que agiu fora da Constituição, o que serviria para auxiliar a implementação de uma ação que estava desenhada e pronta para ser aplicada. Ou seja, DANIEL SILVEIRA tinha ciência dos atos executórios que estavam sendo empregados para concretização da ruptura institucional”, diz o relatório.
Três dias depois da reunião, na data em que o presidente Lula foi diplomado, Do Val pede uma reunião com Moraes para contar sobre o plano. O senador conseguiu encontrar o ministro apenas no dia 14 de dezembro e revelou a proposta indecorosa que havia recebido. À noite, ele avisou a Daniel Silveira que iria declinar da oferta. Tudo isso está documentado na reportagem de fevereiro de 2023. Pelo que hoje se sabe, a recusa de Do Val ocorreu na véspera da data marcada para o frustrado plano de assassinar Moraes.
A investigação da Polícia Federal avançou e encontrou novas evidências sobre o plano revelado por VEJA. Segundo a PF, as ações com objetivo de descredibilizar Moraes são concomitantes com anotações encontradas em busca e apreensão contra o general Mario Fernandes, número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, que imprimiu o plano para matar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e Moraes com uma impressora do Palácio do Planalto. Nos registros encontrados pela PF, o general anotou “MDV demonizará AM”. MDV, referem-se às iniciais de Marcos do Val, e AM, as de Alexandre de Moraes.
Depois da revelação de VEJA, Marcos do Val recuou e deu versões desencontradas sobre o fato. A revista, então, publicou as entrevistas que ele concedeu. Os áudios também foram objeto de análise da PF. “Após a divulgação na imprensa do plano para gravar, de forma clandestina, o ministro ALEXANDRE DE MORAES, integrantes do grupo investigado, próximos a JAIR BOLSONARO, atuaram para que o Senador alterasse sua versão sobre o plano criminoso e afastasse a participação do ex-presidente na trama, ao contrário da versão divulgada pela revista VEJA”.
A investigação ainda revela que auxiliares do ex-presidente trabalharam para deslegitimar a reportagem. O movimento é exposto em uma troca de mensagens entre o ex-chefe da Secretaria de Comunicação de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, e o ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, que encaminhou a mensagem ao coronel Marcelo Câmara, outro auxiliar do ex-presidente.
O relatório também mostra mensagens que Do Val enviou a deputada Carla Zambelli (PL-SP), e provavelmente a outros parlamentares bolsonaristas, em que diz que seus atos, na verdade, foram uma “isca” usada para chamar a atenção e emplacar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Depois, Do Val ainda usou as redes sociais para atacar Moraes e delegados da PF que estavam à frente das investigações sobre a tentativa de golpe, o que segundo a corporação foi “uma ação típica de organizações mafiosas”, com “o objetivo de desestabilizar o processo investigatório”.