CPI quer, mas há um entrave para Bolsonaro virar alvo do tribunal de Haia
Aceitação de denúncias pela Corte internacional vai depender muito do que será feito (ou não) pelo procurador-geral da República, Augusto Aras
A intenção da CPI da Pandemia de remeter as suas conclusões ao Tribunal Penal Internacional para a eventual abertura de processo contra Jair Bolsonaro por crimes contra a humanidade na gestão da pandemia da Covid-19 no Brasil pode encontrar um sério obstáculo para quem aposta em ver, em breve, o presidente no banco dos réus em Haia, cidade holandesa onde está sediada a Corte.
“Haja vista a caracterização de crimes contra a humanidade, os documentos também serão remetidos ao Tribunal Penal Internacional, tendo em vista a inação e incapacidade jurídica das autoridades brasileiras na apuração e punição desses crimes”, afirma o relatório da CPI, que foi apresentado nesta terça-feira, 26, e que pede o indiciamento de Bolsonaro por um total de nove crimes.
O TPI, no entanto, só aceita levar adiante casos em que entende que todas as possibilidades de investigação e julgamento se esgotaram internamente no país sem que nada fosse feito. As conclusões da CPI ainda serão enviadas ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que irá decidir qual encaminhamento será dado.
“É feita a análise se as instâncias internas, independentemente e genuinamente, têm ou não intenção e condição de investigar e processar os suspeitos”, explica o criminalista Rodrigo Faucz, o terceiro brasileiro e um dos quinze advogados da América do Sul habilitados a atuar no tribunal. Ele acrescenta que a Corte também pode levar em conta que crimes contra a humanidade (como sugere a CPI) não estão tipificados na legislação brasileira.
Aras tem visto com sérias reservas as denúncias da CPI contra Bolsonaro. O procurador-geral da República é a única autoridade com poder para denunciar criminalmente o presidente da República ao Supremo Tribunal Federal. Em uma avaliação preliminar, muitas das imputações já foram apreciadas pelo órgão — e rejeitadas — no decorrer da crise sanitária.
Bolsonaro já é alvo desde agosto deste ano de um pedido de inquérito no TPI, feito pela APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) por “violação dos direitos dos povos indígenas que constituem crimes contra a humanidade”. O processo tramita em sigilo e está sem sua fase mais embrionária: se o pedido é plausível. Só então parte-se para a instauração do procedimento preliminar, quando é verificado o que as autoridades internas fizeram a respeito. Não há nenhum prazo para o cumprimento das etapas.
Para se ter uma ideia, desde 2009 está em curso na Corte esta mesma análise preliminar sobre alegados crimes de guerra e contra a humanidade cometidos por grupos paramilitares, guerrilheiros e membros do governo da Colômbia no combate ao narcotráfico. Ou seja, há mais de 10 anos o TPI ainda verifica se será aberto ou não um processo criminal.