Ao opor de maneira inédita um presidente no exercício do mandato e um ex-presidente, a eleição presidencial de 2022 projeta um nível de polarização jamais visto no período democrático. Diante das intenções de voto em Jair Bolsonaro (PL) atreladas à avaliação de seu governo e do favoritismo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ancorado na percepção de suas bem-avaliadas gestões, a corrida presidencial indica, ao menos por ora, estabilidade nas posições. Ajuda a consolidar o quadro a debilidade dos candidatos de centro, que seguem longe de demonstrar competitividade nas pesquisas.
Como mostra reportagem de VEJA desta semana, um dos efeitos da disputa nacional e do esvaziamento de alternativas moderadas deve ser o espraiamento da polarização às eleições nos estados, que prometem ser as mais “nacionalizadas” das últimas décadas. “Neste ano observamos um fenômeno de mais politização, com um eleitor mais interessado e engajado. Isso faz com que o voto nacional comece a nortear o voto nos estados”, diz o cientista político Felipe Nunes, diretor da Quaest. O prognóstico assombra alguns dos favoritos nas disputas estaduais dos maiores colégios eleitorais do país, que andam no fio da navalha para evitar que o pleito nacional contamine as disputas locais e dificultem seus planos. Entre estes candidatos, tentativas de “desnacionalizar” suas campanhas estão em curso.
Em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia, três dos quatro maiores colégios eleitorais do país, pesquisas Genial/Quaest de maio mostram que a identificação do apoio de Lula faz os aliados dele nas disputas mineira e fluminense avançarem nada menos que treze pontos percentuais e assumirem a liderança: o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil (PSD) sobe de 30% para 43% das intenções de voto e o deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ), de 27% para 40%. O salto mais impressionante, contudo, é do candidato do PT na Bahia, o ex-secretário Jerônimo Rodrigues, que passa de 6% para 34% da preferência quando identificado como candidato de Lula no estado, governado por petistas desde 2007.
Favorito na eleição baiana, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto (União Brasil) tem chances de vitória no primeiro turno, mas o peso de Lula sobre Rodrigues é motivo de preocupação. De acordo com a Quaest, 53% dos baianos desejam ver eleito um governador ligado ao ex-presidente. Neste cenário, Neto leva a efeito uma estratégia de “falar de Bahia” e evitar embates com Lula. O ex-prefeito, dizem aliados, anda desconfortável com a candidatura própria do União Brasil à Presidência, do deputado Luciano Bivar, por entender que ela pode prejudicá-lo localmente. Enquanto Bivar mantém um discurso que equipara Lula a Bolsonaro como “inimigos das liberdades”, Neto montou um palanque amplo que inclui aliados de Lula, como o Solidariedade e até o atual vice-governador, João Leão, que comanda o PP no estado e rompeu recentemente com o PT, embora se diga eleitor do ex-presidente. Na Bahia, Bolsonaro tem como candidato o ex-ministro João Roma (PL), que passa de 5% para 10% com apoio do presidente.
Em Minas e Rio de Janeiro, os adversários de Kalil e Freixo têm ou já tiveram alianças com Jair Bolsonaro. Mas nem por isso indicam campanhas antipetistas. Eleito na onda bolsonarista de 2018, o governador mineiro, Romeu Zema (Novo), teve uma relação-ioiô com Bolsonaro durante o mandato e leva em banho-maria a possibilidade de uma aliança com o presidente – Bolsonaro tem como estepe mineiro o senador Carlos Viana (PL), mas preferiria subir no palanque de Zema, líder nas pesquisas e aliado do presidenciável nanico Luís Felipe D’Ávila (Novo). Antes de Kalil ter fechado com Lula, aliados de Zema fizeram chegar a interlocutores do petista a informação de que o governador não pretende basear a campanha em ataques a ele e ao PT. Diante da estratégia, é o rival de Zema quem tem insistido em colar a imagem dele à de Jair Bolsonaro. “Amigo não se larga pelo caminho”, provocou Kalil nesta semana.
No Rio, embora apoie Bolsonaro abertamente e integre seu partido, o governador Cláudio Castro (PL) também já disse que não pretende fazer campanha “criticando” Lula. No estado, segundo a Quaest, são praticamente iguais as proporções de eleitores que querem a vitória de um candidato alinhado a Lula (33%) e a Bolsonaro (32%). Enquanto Freixo avança de 27% para 40% com apoio de Lula, contudo, Castro oscila de 38% para 37% quando identificado como candidato de Bolsonaro.
A possibilidade de uma contaminação exagerada nos estados a partir da campanha nacional gera dilemas até em gente próxima a Bolsonaro, como o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. No Piauí, seu reduto, ele não pretende nacionalizar a discussão para não prejudicar o seu candidato ao governo, Silvio Mendes (União Brasil). Governado pelo PT há quatro mandatos, o Piauí tem como favorito o petista Rafael Fonteles, que nunca disputou uma eleição, mas lidera com folga quando o seu nome é ligado ao de Lula.